Ah, eu sou coxinha!!!

Ontem eu fui pra rua. Não como jornalista, já que não estava de plantão e nem escalada para cobrir as manifestações. Fui pra rua como cidadã e por curiosidade jornalística. Ponderei se deveria ir, já que não defendo intervenção militar nenhuma, não apoio impeachment sem subsídios jurídicos, não quero golpe de nenhuma espécie. Foi então que percebi que as pessoas que caminhavam rumo ao Parcão, em grupos de dezenas, majoritariamente vestidas de verde e amarelo, muitas com a bandeira brasileira em punho, eram cidadãs insatisfeitas como eu com os rumos do nosso país. Homens e mulheres, jovens e crianças, idosos, crianças de colo. Estavam todos ali, em marcha em uma mesma direção, por um bem comum: o bem de querer viver em um outro Brasil que não este que está aí. A rua, portanto, também era o meu lugar – e nunca tive tanta certeza de estar no lugar certo e na hora certa.

As cem mil pessoas que se uniram no Parcão, caminharam até a Redenção e voltaram para o Parque Moinhos de Vento, em um protesto que durou cerca de três horas debaixo de um calor insano, eram pessoas de bem – salvas raríssimas exceções, visto que num universo de cem mil pessoas sempre haverá gente mal-educada e mal esclarecida. Uma minoria. A maioria, como eu, estava lá “de graça”, gritando estar lá de graça e assim contestando a manifestação da sexta-feira 13, quando dezenas de pessoas, entre militantes e participantes do exército de Stédile, convocados pelo ex-presidente Lula, admitiram ter embolsado R$ 35 mais sanduíche e Tubaína para empunhar a bandeira vermelha do partido governista. A maioria que tomou as ruas de graça gritava contra o que não é mais possível aceitar – corrupção, desemprego, mentira, inflação – e a favor das necessidades básicas de um povo: educação, saúde, dignidade, emprego.

Lembrei de março de 2003, quando cheguei a Barcelona para uma temporada de estudos e, na primeira noite na cidade, fui engolida por uma manifestação de milhares de catalães empunhando panelas, gritando e fazendo barulho contra o governo mentiroso de José María Aznar. Lembro do encantamento que fiquei diante daquilo, lembro de ter desejado um dia aquela consciência política e cidadã para as pessoas do meu país. Cada vez que assisto aos hermanos argentinos aqui do lado empunharem as cores azul e branca em protestos diante da Casa Rosada contra outro governo hipócrita, mentiroso e corrupto como o de Cristina Kirchner fico desejando que essa veia inconformada cruze a fronteira e irrompa nas nossas veias. Pois ontem ela correu no sangue de quase 2 milhões de brasileiros com uma força inimaginável – e de Norte a Sul do país ilustrado por faixas, cartazes, bandeiras. Sem briga, sem tumulto, sem encrenca, mas com consciência de que é unido e com educação que um povo consegue mudar um país.

: A crise provocada pelo simples pedido de um balde com gelo

Lamento por quem ficou em casa. Lamento quem menosprezou a força das ruas. Lamento por jornalistas, comunicadores e formadores de opinião enclausurados em redes sociais e ar-condicionado. No próximo dia 12 de abril, está marcada outra manifestação como esta. Arrisco dizer que maior. Porque quem temeu alguma violência ontem e eximiu-se da rua para depois perceber que os brasileiros de bem não estão aí para isso, deverá juntar-se aos milhões. E então sugiro que, quem quiser emitir alguma opinião a respeito, vá pra rua. Para pelo menos ver com os próprios olhos que o Brasil cresceu, amadureceu e não vai tolerar mais a lambança que está aí. Se fazer parte dessa turma é ser coxinha, eu grito em alto e bom som: Ah, eu sou coxinha!!!

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Mari Kalil

Mari Kalil

Sou escritora, jornalista, colunista da Band TV e Band News FM e autora dos livros "Peregrina de araque", "Vida peregrina" e "Tudo tem uma primeira vez". Sou gaúcha, nasci em Porto Alegre, vivo em Porto Alegre, mas com os olhos voltados para o mundo. Já morei em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Barcelona. Já fui repórter, editora, colunista. Trabalhei nos jornais Zero Hora, O Estado de S.Paulo e Jornal do Brasil; nas revistas Época e IstoÉ e fui correspondente da BBC na Espanha, onde cursei pós-graduação em roteiro, edição e direção de cinema na Escuela Superior de Imagen y Diseño de Barcelona. O blog Mari Kalil Por Aí é direcionado a todas as mulheres que, como eu, querem descomplicar a vida e ficar por dentro de tudo aquilo que possa trazer bem-estar, felicidade e paz interior. É para se divertir, para entender de moda, de beleza, para conhecer lugares, deliciar-se com boa gastronomia, mas, acima de tudo, para valorizar as pequenas grandes coisas que estão disponíveis ao redor: as coisas simples e boas.

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