Já tornei público em textos no site e nos meus três livros meu pavor de avião. Já admiti que lanço mão de medicamentos ansiolíticos para suportar o fato de estar amarrada a uma poltrona a 11 mil metros de altura, já contei sobre todas as manias que tenho aprisionada dentro da geringonça. Se avião fosse um lugar bom e tranquilo, não davam um saquinho de vômito pra gente, vai dizer? Noventa e nove por cento das vezes em que viajo de avião, dou o azar de topar com um infeliz na fileira de trás, que fica dando joelhadas no encosto da poltrona em que estou sentada – ou porque está nervoso, ou porque tem tique nervoso ou porque é um fóbico em potencial muito pior do que eu.
Numa das últimas vezes, o passageiro de trás era um garoto de uns cinco anos que não parava quieto. Pensa num pequeno demônio hiperativo. Era pior. Viajou o tempo todo em pé na poltrona dando bofetões no meu encosto.
É AGORA QUE ESTRANGULO A PESTE
Estava acompanhada do Chico, meu atencioso marido, que, apesar de não compreender minha fobia, a respeita e sempre tenta me acalmar. Chico logo percebeu a ira e a vontade de voar na jugular daquele pivete – vontade esta que começava a aparecer fisicamente nas veias saltadas do meu pescoço.
– Dá uma olhada e vê se ele está acompanhado dos pais? – murmurei para o Chico, enquanto continuava com a testa colada na janela (eu só viajo na janela e passo o tempo todo olhando pra baixo).
– Está com o pai e com a mãe – Chico respondeu.
POR QUE ELES NÃO FAZEM NADA?!!
Chico, então, virou-se para trás umas três ou quatro vezes a modo de pedir àquela criança infeliz que parasse de esmurrar o meu assento. Cada vez que falava com toda a calma e didática do mundo, era observado pelo pai, que lia um livro e tinha um meio sorriso orgulhoso nos lábios, e pela mãe, que estava achando tudo uma gracinha. Na quinta vez sem sucesso, resolveu partir para um outro tipo de vocabulário. Chamou o garoto na fresta entre as poltronas.
VEM AQUI, BONITINHO
– Está vendo esta moça? – Chico disse, apontando pra mim.
– Estou – respondeu o garoto.
– Ela sofre de um problema.
– Qual?
– Quando ficam batendo na cadeira dela, como você está batendo, ela vai ficando enjoada. E sabe o que acontece? Ela vomita.
– No saquinho do avião? – o garoto quis saber.
– Não, e foi por isso que eu te chamei. Ela só sabe vomitar pra trás.
– Como assim?
– Ela fica verde, levanta a cabeça e vomita tudo em quem está bem atrás dela – Chico explicou.
– Ela vai vomitar em mim, então? – ele arregalou os olhos.
– Vai, e sinto te dizer: o vômito dela é bem escuro e bastante fedido.
– E se eu parar de bater agora?
– Daí acho que ela consegue se controlar.
OU NÃO
O episódio ilustra que há nos nossos dias uma terceirização na educação dos filhos – e este é o maior drama das famílias, segundo o pediatra Daniel Becker, pioneiro da pediatria integral no Brasil, que une a medicina convencional a saberes tradicionais como a acupuntura, a osteopatia e a homeopatia.
Se pais com nível universitário e boa condição socioeconômica se mostram incapazes de educar os filhos, não é razoável argumentar que lhes falta informação. O problema é outro. Segundo Becker, a maior carência dos nossos tempos é o bom senso.
“Os pais perderam a intimidade com os filhos”, diz Becker. “Por culpa, falta de jeito ou ansiedade, supervalorizam a criança. Acham que devem fazer todas as vontades e evitar frustrações. Nessas famílias, a criança vira Deus. Não pode ser contrariada”.
Se você tiver 20 minutos, vale a pena assistir à apresentação “Crianças, já para fora!”, feita pelo pediatra no TEDx, em que ele fala sobre os principais “pecados” que estamos cometendo contra a infância e os possíveis caminhos para solucioná-los.
Só dar o Play!
Achei bárbaro!!
Nossa, perfeito! Vê-se muitos pais que não têm coragem ou vontade de corrigir seus filhos que se tornam adultos assustadoramente ridículos.
Excelentes crônica e vídeo.