Bento e as reflexões que surgem quando nosso melhor amigo envelhece

Eu tenho pensado bastante na finitude da vida. Acho que todos nós, na correria do dia a dia, refletimos muito pouco sobre isso. Eu sempre tive essa reflexão muito presente, mesmo quando tinha meus 20 e poucos anos e o caminho a percorrer parecia infinito. Escrevo diários desde os 13 anos. Diários de papel, escritos a mão que sempre trouxeram reflexões sobre nossa existência por aqui. Como observou em um de seus livros a atriz e escritora Shirley MacLaine, “escrever me ajuda a entender quem sou e onde é que me encaixo”.

Sempre procurei parar alguns minutos do meu dia para ouvir o tal “Eu Superior” tão propagado pelo escritor “ame-ou-odeie” do país, o mago Paulo Coelho. Li muito Paulo Coelho quando tinha 20 e poucos anos e quando tudo o que a gente busca são sentidos para a vida em meio a dramas existenciais de querer pertencer a algum lugar.

A elite intelectual brasileira costuma debochar de quem lê Paulo Coelho, e eu, como escritora, deveria me importar com o que poderá debochar de mim a elite intelectual brasileira. A verdade? Tenho três rugas de preocupação embaixo dos olhos, mas não são fruto do caso que eu faço da elite intelectual brasileira, mas do meu cachorro, Bento, de 17 anos. Meu eterno companheiro de jornada.

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Bento envelheceu. Não foi do dia para a noite. Trata-se de um envelhecimento gradativo. Uma enfermidade aqui, uma coisinha crônica acolá – e há uns bons cinco anos vamos levando esses percalços da velhice com acompanhamento veterinário, exames de rotina, troca de medicações, mas sobretudo, com amor, cuidado, amizade, lealdade e fé.

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Neste último ano, mais precisamente nos últimos meses, Bento deixou de ser um cachorrinho vivaz, de olhos espertos e comportamento ágil para se transformar em um senhor de seus lá 85 anos (equivalente à idade humana) que requer uma série de cuidados e a minha presença e atenção 24 horas por dia. O diagnóstico complicou, como costumam complicar os diagnósticos à medida que a idade avança, e através do olhar do Bento eu enxergo diariamente o reflexo da finitude da vida. Não pode existir sofrimento maior para um dono de cachorro do que essa despedida diária. A cada dia, menos um dia.

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A cada dia, também uma surpresa. Um dia feliz, caminhando melhor, disposto, com apetite e sorrisos. No dia seguinte, sono, muito sono, xixi nas calças, olhar distante, cabecinha para o lado e alheio ao mundo ao redor. Um dia vivaz; noutro, senil. Deveria ser proibido pela natureza vivermos essa experiência.

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Eu amo animais porque animais não têm rancores, ressentimentos, amarguras. Animais são coração pura e simplesmente. São professores a nos ensinar dia após dia a entender que o amor e a amizade são sentimentos fundamentais para levar a vida de forma mais generosa e mais leve. Todo mundo deveria ter um animal para aprender com eles que os instintos mais primitivos também são os mais importantes.

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Bento significa para mim muito mais do que um dos meus grandes melhores amigos.
É meu companheiro de jornada por uma vida de altos e baixos, cheia de mudanças e reinvenções – e da qual foi testemunha ocular e grande conselheiro. Nos conhecemos quando ele tinha 30 dias de vida e desde então cruzamos oceanos até. O que eu quero que ele saiba – e o que eu sei que ele sabe – é que estarei sempre aqui.

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Atirada no chão ao lado dele quando as coisas não estiverem muito bem, oferecendo refeições, pratinhos de água, ajudando-o a caminhar, esperando que cheire no seu atual ritmo todas as gramas que julgar necessário, levando-o à fisioterapia três vezes por semana, trabalhando na sala de espera enquanto ele é estimulado, picotando remédios para disfarçar na comida, acordando várias vezes durante a noite para resgatá-lo em algum canto da casa, limpando o xixi que às vezes ele não consegue mais segurar. Segurando a sua mão.

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Eu estarei sempre aqui Bentolino, e isso eu quero que tu saiba. Não sei até quando. Ninguém sabe. Só sei que eu estarei sempre aqui. Até o fim.

 

 

 

 

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Mari Kalil

Mari Kalil

Sou escritora, jornalista, colunista da Band TV e Band News FM e autora dos livros "Peregrina de araque", "Vida peregrina" e "Tudo tem uma primeira vez". Sou gaúcha, nasci em Porto Alegre, vivo em Porto Alegre, mas com os olhos voltados para o mundo. Já morei em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Barcelona. Já fui repórter, editora, colunista. Trabalhei nos jornais Zero Hora, O Estado de S.Paulo e Jornal do Brasil; nas revistas Época e IstoÉ e fui correspondente da BBC na Espanha, onde cursei pós-graduação em roteiro, edição e direção de cinema na Escuela Superior de Imagen y Diseño de Barcelona. O blog Mari Kalil Por Aí é direcionado a todas as mulheres que, como eu, querem descomplicar a vida e ficar por dentro de tudo aquilo que possa trazer bem-estar, felicidade e paz interior. É para se divertir, para entender de moda, de beleza, para conhecer lugares, deliciar-se com boa gastronomia, mas, acima de tudo, para valorizar as pequenas grandes coisas que estão disponíveis ao redor: as coisas simples e boas.

23 Comentários
  1. Mari amada que texto emocionante
    Sei bem o que dizes, um animalzinho enche o viver de alegrias, partilhas e amor, intenso amor.
    E quando esses “anjinhos” ficam velhinhos é como se um pedacinho da gente se vai com eles dia a dia
    Mas pra sempre ficará as lindas lembranças, o incondicional amor deles para conosco, nosso para com eles
    Beijoquinhas mil para o amadinho Bento <3

  2. Muitas vezes já me comovi com teus textos….mas desta vez fui às lagrimas…e chorei! adoro o Bento desde a Zero…e a Papaqui tambem..que eles continuem contigo por muito tempo ainda! beijo

  3. Entendo e me compadeço do teu sentimento. Passei pelo ritual da despedida há pouco mais de um ano do meu grande amor e companheiro. Começou quando ele empacou um dia na escada e me olhou suplicando uma ajudinha. Depois disso, um dentinho que caiu, uma soneca mais extensa, um xixi fora do lugar, manchinhas e verruguinhas na pele (Toy teve uma verruguinha no olho igual a do Bentolino). E assim vamos percebendo que o tempo está passando, e dá uma p*** dor no peito. Mas também uma gratidão enorme de ter podido acompanhar e estar presente ao lado do meu amigo durante 15 anos.
    Aproveite cada momento com seu velhote! Um beijo

  4. Emocionante… Mari, você tem o dom de transmitir sentimentos em palavras. O Bento e a Gorda não poderiam ter uma pessoa melhor com eles. Que Deus a ilumine, sempre. Beijos.

  5. Bonita e singela declaração, Mari!
    Bento é gente! Bento é querido como se gente fosse- Bento na verdade merece mais amor até do que muita gente…animais são anjinhos peludos que nos abençoam diariamente.
    Ele merece teu carinho e atenção.
    Bonito teu sentimento e tua sinceridade em expô-lo.
    Imagino as cenas diárias e a angústia de ver sua luzinha apagando- muito triste isso !
    Mas essa amizade permanecerá nas lembranças de vocês de forma muito doce e terna.

  6. Lágrimas jorrando por aqui. Te admiro por muitas coisas, mas principalmente por todo amor que tens pelo Bento.
    Estou exatamente na mesma com meu grande amigo, o Timóteo, um “senhorzinho” como o chamo, de quase 14 anos.
    Força e fé.
    Somos abençoadas por termos sido escolhidas por estes grandes amigos!
    Bjo

  7. O amor mais puro e sincero.
    Ano passado, minha linguicinha se foi com 16 anos bem vividos com todo o amor, carinho e lealdade que podia lhe dar.
    Foi uma despedida difícil, mas com a certeza de que dei e recebi todo o amor e companheirismo que podia ter.
    Muita força e bons momentos com teu Bentolino. Aproveita esse amor iniguálavel que ele te proporciona.

  8. Puxa,embora sendo veterinária e por muitas vezes, participar desta jornada com os proprietários, sempre vou ás lágrimas com textos “de peludos”.
    E quisera parar a roda do tempo…Ter dons e poderes sobrenaturais…
    O que sempre digo para os proprietários é que eles tem o privilégio de dar e receber um amor tão puro,que sejam gratos e que não deixem jamais de ter a companhia de seres tão especiais.
    Que São Francisco proteja o Bento e te proteja também!

  9. Aí meu Deus!
    Chorei muito.
    Relembrando da minha perda.
    Uma amiga e companheira de 13 anos que esteve comigo em todas as horas.
    Sofri muito.
    E eu digo aqui em casa que quanto mais eu conheco as pessoas,mais eu amo os animais.
    Aproveite casa minuto com o Bento,pois o amor dele e verdadeiro.
    Bjos

  10. Texto maravilhoso,Como sempre. Tenho um companheiro de quase 12 anos, um labrador marrom, querido, amoroso e s melhor companhia possível. Também nos provamos de vários programas para não seixa-lo sozinho. Só quem tem , entende o amor que sentimos por esse seres tão cheio de amor. Bjos

  11. Belíssima matéria, ter amigos de 4 patas é ótimo e maravilhoso, na verdade são anjinhos de 4 patas que nos alegram a cada dia, mas que infelizmente vivem bem menos que nos humanos, eu perdi meu Precioso (Lhasa Apso) na madrugada do dia 05/03/2018, com quase 14 anos 1/2 por causa de uma insuficiência renal crônica que se agravou muito nos últimos 14 dias de vida dele. Sofri demais e agora sinto tantas saudades, mas sei que ele está bem, sob a proteção de São Francisco de Assis.

  12. Oh meu Deus!! Que resto mais lindo e cheio de amor! Inevitável não escorrer lágrimas tímidas no cantinho do olho. Lembro como se fosse ontem exatamente o que me chamou a atenção naquela coluna da revista donna que era rotina dominical, sempre ler o que o bento pensava sobre aqueles diversos assuntos, eis que virei caxiense e as rotinas porto alegrenses de ler a zh dominical foram trocadas pelas tão atuais redes sociais E quando a minha colunista preferida fazendo tudo aquilo que fazia no jornal, porém em tempo real, eu amei .. mas ao mesmo tempo descobri que o bento não era mais o mesmo e desde então sempre que vejo ele fico tão feliz. Sou muito sua fã, não somente pelo que escreve mas como trata teus cãezinhos❤

  13. Mariana,

    Você me emocionou muito e em cada frase sua eu senti a dor de ver um “grande amor peludinho” se despedindo lentamente desse planeta.
    Acredite, querida jornalista Mariana, que esse companheirismo, lealdade, o “peludinho” capta em cada suspiro seu, e em suas energias amorosas que você transmite.
    Receba um grande beijo carinhoso e ao Bento eu desejo que o bom São Francisco de Assis esteja sempre ao seu lado para recebê-lo quando seu fluido vital terminar.

  14. Já li e reli teu texto e pela segunda vez estou emocionada. Muitos cães e muitos gatos já passaram na minha vida e a despedida é sempre dolorosa.
    Mas sabermos que os amamos muito e muito cuidamos, nos conforta.
    Teus textos sobre ele e com ele são especiais .
    Meu carinho,

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