Táticas de guerrilha contra a ansiedade do e-mail não lido

Todas as manhãs tenho o compromisso de passear com Bento e Gorda. Faça chuva, faça sol, faça frio, faça um calor desgraçado, não há maneira de convencer a dupla dinâmica do contrário. Eles esperam ansiosamente pelo último gole do meu café preto e disparam pra frente da porta de entrada do apartamento. Eu me divirto, acho bacana e saudável que seja assim. Acredito que Bento chegou bem aos 17 anos de vida, com fôlego de atleta, em função dessa volta de quase uma hora em que o tempo é ele quem faz. Eu vou atrás. Apenas obedeço.

bento1122EU QUE MANDO

Durante essas voltas, tento tirar algum proveito para minha vida também, além do prazer de testemunhar a felicidade dos meus cachorros com os respectivos narizes enfiados nas mesmas gramas de sempre. Descobri que é um momento único para aliviar a mente, não ler nada, não pensar em nada, apenas reparar na plantinha, na arvorezinha, no céu, no sol…. Um momento quase bicho grilo de desligar de tudo e de todos. Mas é preciso disciplina para levar isso a cabo. Disciplina, não. Muuuuita disciplina.

gifNEM SEMPRE É POSSÍVEL

Houve um dia, na terça-feira de manhã, se não estou enganada, em que tive uma recaída e peguei o celular. Havia um e-mail que precisava ser respondido e resolvi usar alguns minutinhos para me livrar do compromisso. Só que caí na armadilha de tentar usar aquele tempo que deveria ser de prazer e desopilação para checar a caixa postal. O que encontrei? Um mil e quinhentos e sessenta e três e-mails para serem lidos.

mulher-gifSABE O QUE É ISSO?

Isso é o resultado de um dia sem abrir a caixa postal. Mais um dia e esses 1.563 e-mails se multiplicariam por dois – e assim sucessivamente. Moral da história: não vi mais o Bento e a Gorda passearem, não tive mais a chance de olhar para a plantinha, para a arvorezinha, para o céu, para o sol… De desopilar, enfim – garantia que deveria ser dada a todo ser humano. Fui tomada por um sentido de urgência e fiquei ali, agarrada naquele maldito celular, andando para lá e para cá atrás, enrolada em guias de cachorro, fissurada nas teclas do smartphone, tentando dar conta de uma urgência que não era urgência nenhuma. Dos 1.563 e-mails, calculo que uns 10, no máximo, eram endereçados a mim. O resto não fazia nenhum sentido

httpwpclicrbscombrporaifiles201211lixeira-do-wordpress-limparpngLIXO ELETRÔNICO

Passei os 40 minutos seguintes de passeio, agarrada naquele celular tentando me livrar daquele peso, lendo, deletando, respondendo. Cheguei em casa vesga, com uma certa dor de cabeça e muito, mas muito mal-humorada, com a sensação de ter tido meu tempo roubado, sabe assim? Foi então que tomei uma decisão radical, mas imprescindível para quem deseja preservar um pouco da sanidade neste mundo digitalmente ensandecido de e-mails, Messenger, Whats App, Facebook, Linkedin e toda essa parafernália tecnológica. Passei a deletar sem pena. Se o título do e-mail não diz a que veio, lixo.

corrida-gifVAZA!

Nada mais ando fazendo do que seguir a orientação do especialista em produtividade David Allen, autor do livro Getting Things Done e Making It All Work. Afirma ele:

– Oitenta por cento dos e-mails podem ser excluídos sem ser lidos após uma simples olhada no assunto. Daí a importância de títulos explicativos – ensina ele.

Um estudo realizado pela think tank (centro de pesquisas) Future Work Centre revelou que receber avisos constantes da chegada de novos emails ao logo do dia ou checar as mensagens de manhã e à noite são hábitos que criam níveis elevados de ansiedade.

– O que leva a essa extrema ansiedade é a sensação de incerteza e de falta de controle sobre o entorno. Além disso, ferramentas de mensagens instantâneas, como o WhatsApp ou o Messenger do Facebook nos condicionaram a esperar respostas imediatas, ainda mais porque é possível ver se a outra pessoa leu o que enviamos e está reagindo – explicou a BBC Brasil Julie McCarthy, professora de comportamento organizacional e gerenciamento de recursos humanos na Universidade de Toronto, no Canadá.

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De acordo com o consultor de marketing digital de Portland Oregon, Adam Boettiger, nos últimos anos “vimos um aumento na falta de resposta em vez da recusa educada. Você apaga na esperança de que a coisa desapareça, como quando batem à porta e você finge não estar”, diz ele. Daí já estamos falando em grosseria falta, respeito e educação mesmo. É como dar um bom dia ou dizer obrigado e não ter resposta – e vamos combinar que isso acontece direto no nosso dia a dia da vida real.

Prometi a mim mesma em 2018 lançar mão de alguns mecanismos para diminuir a ansiedade que e-mails e redes sociais têm exercido sobre meu pobre corpo cansado dessa guerra virtual. Compartilho com vocês na esperança de salvar muitas vidas 😉

1) Me dei conta que ao sentar para escrever todos os dias (afinal de contas, este é o meu trabalho), deixar o celular no silencioso não estava mais funcionando. A vibração do aparelho tirava minha concentração. Agora, desligo wi-fi e dados e coloco em modo avião. Ninguém morreu até agora por ficar um período sem resposta.

2) Se vejo que vou ficar estressada ao deixar o celular em modo avião porque espero o retorno de algo importante, aviso esta pessoa que me chame por telefone, se for realmente urgente, e explico que neste período estarei desconectada.

3) Venho reduzindo drasticamente meus “amigos” do Facebook. Devo realmente ser amiga de uns 20% que constam ali. Pois são esses 20% que irão permanecer. Isso tem feito minha timeline ser mais enxuta e com foco naquilo que realmente faz sentido na minha vida.

4) Parei de ficar checando redes sociais e notícias na cama antes de dormir. Hora de deitar é hora de dar um afrouxe para o cérebro, de relaxar. Nosso cérebro já passa o dia inteiro ativo e frenético, e o nosso lifestyle já afeta diretamente a qualidade do nosso sono. Modo avião nele!

5) Pela manhã, dou uma rápida olhada para checar se há algo urgente e só volto a retomar a rotina tecnológica depois do café da manhã. Tenho tentado orientar o Chico, meu marido, para que faça o mesmo – tarefa ingrata esta! Dia desses, no meio do nosso café, ele lia a timeline, mastigava um pedaço de omelete e gritava impropérios contra o Supremo Tribunal Federal. Agora me diz: algum estômago neste mundo merece ter que digerir o Gilmar Mendes rindo da nossa cara já nas primeiras horas do dia?

President of the Superior Electoral Court Mendes smiles during a session where Brazil's electoral court will take up a 2014 case that could unseat President Temer in BrasiliaMERECE?

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Mari Kalil

Mari Kalil

Sou escritora, jornalista, colunista da Band TV e Band News FM e autora dos livros "Peregrina de araque", "Vida peregrina" e "Tudo tem uma primeira vez". Sou gaúcha, nasci em Porto Alegre, vivo em Porto Alegre, mas com os olhos voltados para o mundo. Já morei em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Barcelona. Já fui repórter, editora, colunista. Trabalhei nos jornais Zero Hora, O Estado de S.Paulo e Jornal do Brasil; nas revistas Época e IstoÉ e fui correspondente da BBC na Espanha, onde cursei pós-graduação em roteiro, edição e direção de cinema na Escuela Superior de Imagen y Diseño de Barcelona. O blog Mari Kalil Por Aí é direcionado a todas as mulheres que, como eu, querem descomplicar a vida e ficar por dentro de tudo aquilo que possa trazer bem-estar, felicidade e paz interior. É para se divertir, para entender de moda, de beleza, para conhecer lugares, deliciar-se com boa gastronomia, mas, acima de tudo, para valorizar as pequenas grandes coisas que estão disponíveis ao redor: as coisas simples e boas.

1 Comentário
  1. Oi, Mariana ! Bom dia ! Tudo bem. Brilhante narrativa deste nosso dia a dia . Também acabei com o MSG no Celular. Enchendo todo o dia de “coisas” vãs e sem sentido. Aliado ao envio que desejam resposta e pedindo envio para mais 10. Insuportável. Obrigado por compartilhar este inferno. Abraços, Nelson Gehm

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