Referência em geriatria, Emilio Moriguchi ensina a envelhecer bem

No saguão principal do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, em um canto protegido do entra e sai frenético de médicos e pacientes que movimentam a rotina de um dos centros de atendimento de maior fluxo do Estado, um japonês de estatura mediana, mochila nas costas, um celular em cada mão e sorriso afável apresenta-se pontualmente, nem um minuto a mais nem a menos, para esta entrevista. São 13h da tarde, ele está funcionando desde às 6h. Acaba de descer sete lances de escada com uma aparência inabalada. Este japonês chama-se Emílio Moriguchi, tem 60 anos e sua biografia é inversamente proporcional à humildade com que lida com o próximo e exerce a medicina há mais de duas décadas.

Um dos maiores especialistas em saúde do Brasil, coordenador do Centro de Geriatria e Gerontologia do Hospital Moinhos de Vento, Moriguchi formou-se na UFRGS e fez pós-doutorado pela Wake Forest University, de Winston (EUA). Aperfeiçoou-se em Metodologia de Pesquisa e Doenças Crônicas pela World Health Organization, na Suíça, e realizou doutorado pela Tokai University School of Medicine, no Japão.

Não bastassem todas essas credenciais, uma maior vem de berço: é filho e herdeiro natural dos ensinamentos do mestre Yukio Moriguchi, o pai da geriatria no Estado, fundador do Instituto de Geriatria e Gerontologia (IGG) do Rio Grande do Sul. Foi para falar a respeito de envelhecimento, prevenção, alimentação e hábitos de vida saudáveis que ele dedicou duas horas de uma rotina que só termina de madrugada para esta entrevista.

emilioEMILIO MORIGUCHI: “A terceira idade não existe e a melhor idade é uma mentira”

A esperança de vida tem aumentado no mundo inteiro e o Brasil compartilha dessa mudança demográfica. Já se calcula dois bilhões de idosos em 2050. O senhor afirma que o envelhecimento com qualidade de vida é uma conquista que depende do esforço individual e coletivo na busca de hábitos saudáveis. Que hábitos são esses?
É um conjunto que inclui alimentação, qualidade de vida, repouso, lazer, mas, acima de tudo, ter uma cabeça sã e um bom estado de espírito – requisitos fundamentais e tão esquecidos hoje em dia. Fundamos no Hospital de Clínicas um grupo de espiritualidade em medicina, que consiste justamente em trabalhar todos esses quesitos para ajudar os pacientes a envelhecer bem e com saúde.

Veranópolis é a cidade mais longeva do Brasil, onde a expectativa média de vida é de 72 anos. Nesta comunidade, onde há muitos idosos, as pessoas envelhecem bem: com saúde, participando da comunidade. Toda a comunidade, inclusive os jovens, respeitam muito os idosos. Com base em seus estudos realizados em Veranópolis desde 1994, o que o senhor conclui de mais relevante no processo do envelhecimento saudável?
O que aprendemos ao longo de todos esses anos com os idosos de Veranópolis é que são trabalhadores, alimentam-se sobriamente com os alimentos que eles próprios produzem, fazem bastante atividade física. Há uma unidade familiar, que é a parte de integração social, que fazem com que sejam ouvidos e respeitados por todos.

“Na cidade com idosos mais longevos do Brasil, eles desfrutam de momentos de repouso e lazer, quando gostam de se reunir com amigos e com a família, e desenvolvem a espiritualidade, que é ter fé e saber que, mesmo dentro do sofrimento, tudo tem algum sentido.”

O senhor concorda que o estresse é um dos maiores ladrões de vida que nós temos? Por quê? Como amenizá-lo?
Meu pai sempre me disse que há duas coisas que não caem do céu: dinheiro e saúde. Realmente, são duas coisas que precisam ser batalhadas. No dia a dia estressante que levamos atualmente, é preciso lutar para ter uma alimentação saudável, momentos de lazer, tempo para a família. Claro que o trabalho é importante. Mas não pode ser tudo. Hoje à noite, por exemplo, combinei de jantar fora com minha esposa. Fechei minha agenda a partir das 18h justamente para isso. Precisa de planejamento? Claro que sim. Eu poderia ficar trabalhando, como sempre fico. Mas encontrar tempo para cuidar das pessoas que são importantes para nós contribui para nossa saúde e paz de espírito.

O senhor é religioso?
Meu pai é bastante católico. Sempre rezou muito. Passamos por momentos de muita dificuldade e certamente o que manteve ele em pé foi a fé. Quando viemos para o Brasil, ele ficou os primeiros três anos sem trabalhar, pois precisava revalidar o diploma. Vivíamos com suas economias. Minha mãe me acordava às 4h da manhã para ajudá-la a fazer o pão, já que não tínhamos dinheiro nem para isso – e eu era o irmão mais velho. Tudo para que, quando meu pai e meus irmãos acordassem, o alimento estivesse na mesa. Ele sofria muito por não conseguir dar tudo o que desejava para a gente, mas lembro também que estava sempre com o terço na mão, rezando e caminhando de um lado a outro da casa. Herdei essa fé e essa espiritualidade dele. Afinal, ele sempre foi o meu exemplo.

Como o senhor exerce a sua fé?
Sempre que posso, vou à missa aos domingos. Quando estou envolvido com as consultas pelo interior, infelizmente não tenho tempo. Nesse caso, dou prioridade para o atendimento médico – e acredito que Deus fica muito mais contente por eu priorizar as pessoas. Mais importante de tudo é viver a caridade e exercer o amor ao próximo.

O isolamento mata as pessoas?
No momento em que um idoso fica isolado, ele perde sua alma. Como professor de Geriatria, ministro uma disciplina que se chama Promoção e Proteção da Saúde do Adulto e do Idoso. Ela tem como objetivo ensinar o relacionamento com os idosos. Nosso trabalho, às segundas e quartas-feiras, é acompanhar os alunos a grandes asilos para que eles conversem com esses idosos a fim de saber o porquê estão lá e se precisam de alguma assistência. É impressionante o feedback. O que a grande maioria quer é apenas alguém com quem possa conversar. Salvar as pessoas do isolamento também nos ajuda a viver mais.

“O isolamento pode não matar do ponto de vista cronológico. Pode não matar o físico, mas mata a alma. Um idoso em uma instituição, por exemplo, pode viver mais do que se estivesse na rua. Mas morre em seu espírito.”

O senhor diz que não gosta muito do termo “terceira idade”. Por quê?
Parece terceira classe, né? (risos). Dá um tom muito pejorativo. Mas não é que eu não goste – é que está errado. Não existe primeira, segunda e terceira idade. A idade é algo contínuo, e a gente começa a envelhecer no momento em que é concebido dentro do útero da mãe. O hábito de vida da mãe impacta diretamente no perfil de doenças do adulto. Se a mãe é fumante, não se cuida, é obesa, não pratica atividade física, esse feto, depois que nasce, tem muito mais probabilidade de ficar doente do que um feto que foi gestado por uma mãe com hábitos de vida saudáveis.

E o termo “melhor idade”, o que o senhor diz a respeito?
Essa é outra mentira! Fico furioso quando ouço essa expressão (risos). Pode ser para alguns, mas para a maioria não é a melhor idade. A gente começa a ter uma série de limitações – e algumas pessoas compreendem, mas outras não. No Japão, onde há uma cultura muito antiga de respeito aos idosos, não existe essa história de terceira idade, melhor idade. No Japão se usa muito os metais nobres para comemorar as idades. Quem passa dos 65 anos, chega à idade da prata. Quem passa dos cem, chega à idade do ouro. Essa concepção de uma idade contínua, com conquistas a serem comemoradas ao longo da vida, é muito mais saudável.

“Envelhecer tem que ser uma conquista e para conquistar as medalhas de prata e ouro temos que lutar. É aquilo que falávamos no início da nossa conversa: ter saúde e hábitos saudáveis exige dedicação e disciplina.”

É aos 20 anos que o ser humano começa biologicamente a envelhecer de fato?
O envelhecimento começa já na barriga da mãe. É quando o relógio cronológico dispara. Se formos dividir em termos práticos – crescimento, maturação, envelhecimento –, atingimos o pico do crescimento e maturação ao redor de 30 anos.

“Depois dos 30 anos, exceto o cérebro, que continua se desenvolvendo, a parte biológica começa a declinar. Nós atingimos o pico da sabedoria, da atividade cerebral, ao redor de 60, 70 anos. É um fenômeno interessante: enquanto o biológico declina, nossa capacidade intelectual segue a pleno vapor até esta idade.”

Então é praticamente um crime o ser humano se aposentar com 60 anos.
Sim. Eu sou um grande incentivador da aposentadoria tardia.

O senhor indica acompanhamento de um geriatra por volta de que idade?
Preventivamente falando, quanto mais precoce começar esse acompanhamento, melhor. Como o pico do crescimento e da maturação é atingido aos 30 anos, recomendo que este acompanhamento comece a partir dos 40. É a idade em que as funções biológicas começam a apresentar maior declínio, e a gente precisa aprender a se adaptar.

“Tenho pacientes de 80 anos que são maratonistas, mas sabem dos seus limites porque estudam e se interessam. Infartos, derrames, Mal de Alzheimer, câncer: tudo pode ser prevenido. Mulheres ao redor de 40 anos são a maior parcela das minhas pacientes particulares.”

As mulheres têm mais consciência nos cuidados com a prevenção?
Sim, por causa do hábito de ir ao ginecologista desde cedo. O homens geralmente buscam acompanhamento depois dos 50 e já aparecem com algum problema. O ideal seria que começassem os cuidados preventivos aos 40.

Reposição hormonal é um bom negócio? A partir de que idade?
Reposição hormonal é algo bastante controverso. A natureza é muito bem feita. Não é por acaso que existe a menopausa, também conhecida como o fim do período fértil, que se instala entre os 45 e 55 anos de vida da mulher. A menopausa tem um imenso significado biológico. Os picos de estrógeno que as mulheres têm na fase fértil é o que induz ao risco de algumas doenças, entre elas o câncer de mama. A curva dos novos casos de câncer de mama vai aumentando até a menopausa – e, quando atinge a menopausa, essa curva começa a decrescer. Por quê? Porque a mulher deixa de atingir aqueles picos de estrógeno.

“Pouca gente sabe ou fala sobre isso, mas a menopausa é algo que a natureza propicia para as mulheres para que elas possam viver mais. Os homens não se dão conta, mas também sofrem de uma espécie de menopausa masculina, a chamada andropausa, que deixa eles rabugentos.”

À medida que os homens experimentam a queda dos níveis de testosterona, seus hormônios femininos começam a aumentar – e o excesso de hormônios femininos no homem pode ser devastador. Causa irritabilidade, tendência à depressão, diminuição da capacidade de processamento mental. O homem torna-se rabugento e arredio ao convívio social. Ou seja, são problemas muito sérios. Por que se fala tão pouco na andropausa e como ajudar os homens nesse sentido?
A ajuda se dá a partir do acompanhamento médico, que pode detectar a andropausa por meio de vários exames, como colesterol, que, por incrível que pareça, diminuiu depois da andropausa. O mesmo acontece com as mulheres. Por quê? De novo: para que ele seja mais protegido do risco de infarto e tenha a possibilidade de viver mais. Outra lição da sábia natureza.

“Como os homens não menstruam, acabam não se dando conta da chegada da andropausa. Daí começam a ouvir que estão ficando rabugentos, chatos, esclerosados, que estão na crise da meia-idade.”

Fazer uso da reposição hormonal é perigoso porque vai contra as leis da natureza?
É claro que existem sintomas que precisamos ajudar a tratar com hormônios. Se as mulheres têm sintomas de menopausa muito intensos, que atrapalham a qualidade de vida, é óbvio que a gente tem que medicar durante aquele período, que dura aproximadamente um ano. O problema é que muitas mulheres continuam fazendo uso indiscriminado de hormônios por cinco anos ou mais. Vão tomando sem cautela – e depois de cinco anos tomando hormônios há comprovadamente o risco de desenvolvimento de câncer de mama. No caso do homem, geralmente não há necessidade de reposição, mas, quando isso acontece, aumenta tremendamente o risco de câncer de próstata, além de aumentar bastante a pressão arterial.

“Reposição hormonal é algo muito delicado. Tem que ser muito bem indicado, por um profissional competente, para tratar o sintoma certo e por um período limitado.”

E a mania das vitaminas? Podemos tomar indiscriminadamente como nos vendem as celebridades nas propagandas de televisão?
A reposição de vitamina deve ser feita depois que o paciente submete-se a exames – e só com aquelas vitaminas que ele precisa. A dieta saudável propicia as vitaminas necessárias para o organismo – e esta é outra lição de Veranópolis. Os idosos saudáveis não fazem reposição indiscriminada de vitaminas. Já os idosos que estão doentes hoje, fizeram.

“Hoje em dia, está comprovado que quem ingere polivitamínico sem orientação médica tem mais risco de infarto, câncer e morte súbita.”

Cite três alimentos que deveríamos comer desde sempre e o porquê.
Antes de responder a essa pergunta, convido você a voltamos um pouco no tempo. A gente esquece que fazemos parte da natureza. Há todo um estudo de paliomedicina e há uma dieta chamada Paleolítica que moldou todo o nosso genoma. Como é que moldamos nosso genoma há cerca de cem mil anos? Primeiro, a gente só comia quando tinha fome. Não existia essa história de comer três vezes por dia. Segundo, comia-se sobriamente, porque a comida tinha que dar para todo mundo. Terceiro, comia-se o que a natureza oferecia – e o que a natureza oferecia não eram gorduras trans ou alimentos industrializados. Tem vários estudos que mostram que a dieta saudável exige não comer demais.

“Vai almoçar no bufê e quer repetir? Só pode repetir a salada, porque salada o homem sempre comeu. Planta, folhas sempre existiram – e o homem sempre se fartou com elas. Então, verduras, frutas e legumes estão liberados.”

E a carne?
Está permitida, mas moderadamente. Ainda seguindo a premissa paleolítica, nossos ancestrais só comiam carne quando caçavam o animal – e caçar era difícil. Não era todo dia. Hidrato de carbono comia-se muito pouco. Batatas e cereais só entraram para a dieta muito recentemente, cerca de 10 mil anos atrás. Podem ser consumidos de forma sóbria. Hoje em dia, fazemos tudo ao contrário. Comemos um monte de hidrato de carbono, como pão e massa. Está errado. Proteínas e hidrato de carbono devem ser ingeridos sobriamente e o mínimo necessário.

O senhor come três vezes por dia?
Costumo comer quando tenho fome e, muitas vezes, a Fernanda, minha assistente, tem que me enfiar comida goela abaixo (risos). Esqueço de almoçar. Como disse, comer apenas quando se está com fome faz parte da dieta paleolítica. Mas atenção: não é para fazer dieta paleolítica todos os dias, caso contrário, faltarão nutrientes indispensáveis para a saúde. A busca está sempre no equilíbrio.

O que o senhor tem a dizer da comida industrializada?
Evite, evite ao máximo! Principalmente os óleos industrializados, que fazem muito mal para a saúde. A gordura trans é um veneno. É o que mais entope nossas artérias, muito mais do que o colesterol. uma dieta saudável caracteriza-se pela quantidade sóbria de alimentos, ingestão de alimentos naturais e refeições em ambientes saudáveis, de preferência de boa socialização.

“Outra coisa que está matando muita gente é o refrigerante. Em vez de sacarose, que é o açúcar natural, os fabricantes colocam frutose na bebida. A frutose é um tipo de açúcar que causa dependência no cérebro. A frutose leva à disfunção das artérias, que propicia mais depósito de colesterol.”

Devemos preferir as folhas verde escuras em detrimento das mais claras?
Sim. A alface americana, aquela alface esbranquiçada, é um zero à esquerda no quesito nutrientes. A couve é excelente. Radicchi e chicória também são ótimos. Com o vinho acontece a mesma coisa. O tinto é muito mais saudável e tem muito mais nutrientes do que o branco.

“Quanto mais escura a folha, mais nutrientes ela tem. O brócolis, por exemplo, é muito mais nutritivo do que a couve-flor”

Correr envelhece, como anda se pregando por aí?
Não. Atividade física sempre é bom. Mas o ideal é que a gente não invente de querer fazer muito mais do que fazia antes dos 30 anos. Tenho pacientes maratonistas com 80 anos, mas eles sempre correram, desde a juventude. Eu não recomendaria uma pessoa começar a correr maratona com 60 anos. Qualquer tipo de atividade física sempre ajuda a envelhecer melhor.

Sendo oriental, como o senhor enxerga essa cultura ocidental de dar mais valor para a beleza externa do que para o bem-estar interior? Até que ponto é saudável essa busca pela eterna juventude e quando é que se torna algo patológico?
Em primeiro lugar, a eterna juventude não existe. Costumo chamar o pessoal que vende essa ideia de mercadores de ilusões. Triste é constatar que há muita gente que paga fortunas para esses mercadores de ilusões.

“Rejuvenescimento é um termo que deveria ser banido. Rejuvenescimento é uma mentira. O que existe é o envelhecimento saudável, que se pode conseguir com hábitos saudáveis.  É impossível parar o tempo e nosso relógio biológico. Há alguns hábitos de vida que ajudam a prolongar o relógio biológico. Estou dizendo prolongar, não rejuvenescer.”

Que hábitos são esses?
Meditação, por exemplo. Artigos recentes publicados atestam que a prática da meditação ajuda a prolongar o relógio biológico e a viver mais.

Conte um pouco sobre a sua rotina.
Eu acordo cedo, por volta de 6h. Vou para a cozinha, bebo um café forte e faço suco de laranja natural na companhia das minhas duas filhas enquanto elas preparam para a gente um sanduíche de pão com ovo, muito comum no Japão. Minhas filhas fervem o ovo de noite para ficar duro. Quando acordam de manhã, descascam e preparam uma maionese caseira feita com a gema do ovo e azeite de oliva. Então, eu como sanduíche, café, suco de laranja e saio para trabalhar. Alguns dias, nem almoço. Quando almoço, é na companhia dos residentes no refeitório do hospital. Minha rotina costuma se estender até 10h da noite. Minha esposa me espera, jantamos juntos e vou para o computador responder e-mails até às 2h da madrugada.

“O Japão é um dos países que mais consomem ovo – e o pessoal há pouco ainda dizia que ovo faz mal… Não tem nada disso!”

O senhor dorme só quatro horas por noite?
O tempo médio de sono ideal é de sete a oito horas por noite. Essa média tende a diminuir com a idade. Mas cada caso é um caso. Comecei a dormir quatro horas por noite quando fiz meu doutorado e acabei me acostumando. Mas eu não sou exemplo para ninguém, viu? (Risos).

O senhor faz caminhadas?
Nunca uso o elevador. Independentemente do número de andares, só me movimento pela escada. Tem uma regra consagrada no Japão que manda caminhar 10 mil passos por dia. A maioria dos japoneses segue à risca. Acredita-se que seja o necessário para uma vida saudável. Meu celular tem um contador de passos e está sempre no meu bolso. (Ele tira o celular do bolso e mostra o aplicativo que conta os passos).

Agora são quase duas horas da tarde e o senhor caminhou 3.861 passos. Falta um bocado para os 10 mil, hein?
Mas vou subir e descer escadas e caminhar bastante hoje ainda no hospital (risos). Se não conseguir completar 10 mil passos, quando chegar em casa, termino o que ficou faltando em cima da esteira (risos).

O senhor é professor visitante da cidade de Oklahoma, no Japão. Durante dois meses por ano, em fevereiro e outubro, viaja para o outro lado do mundo para dar aulas a estudantes de medicina e enfermagem. É convidado porque há alguns conhecimentos e conceitos esquecidos pelos profissionais japoneses. Quais são eles?
O relacionamento humano e a importância do coração. Não o órgão, mas o sentimento. São disciplinas que enfocam a importância de se relacionar com os pacientes.

O Japão tem os melhores hospitais do mundo. Trata-se de um país altamente desenvolvido em tudo. Na questão da saúde, ninguém espera para ser atendido. O funcionário que acabou de entrar na empresarecebe o mesmo atendimento e no mesmo balcão que o presidente desta mesma empresa. Quanto a isso está tudo certo. Porém, falta calor humano.”

O senhor considera essa relação médico-paciente tão importante quanto um serviço altamente eficiente?
Em muitos casos, o problema do paciente é fundamentalmente emocional. Não há nada de errado com a saúde dele, ou até existem alguma alterações, mas são consequência de questões psicológicas que ele vem enfrentando. Se não consegue dialogar, não consegue resolver. É justamente por isso que os japoneses me pediram para começar a ministrar essas disciplinas de relação humana.

Tem uma clínica no centro de Tóquio que leva o seu nome, um reconhecimento público de que os seus ensinamentos nesses dois meses em que leciona no país são fundamentais para a evolução da medicina japonesa como um todo. Como funciona na prática o seu trabalho na clínica?
Basicamente da mesma maneira que funciona aqui. Enfocamos muito a relação médico-paciente, a importância da empatia, de se colocar no lugar do outro para tentar compreender o que ele precisa, o que sente. A primeira pergunta que sempre faço aos meus pacientes, seja no Japão ou no Brasil, é: “Em que posso lhe ajudar?”. Na hora em que ele começa a falar, você tem que estar apto e disposto a ouvir.

“Muitas vezes acontece de um paciente chegar com indicação de tratamento para colesterol alto ou pressão alta e logo percebo que é tudo decorrência de algum problema familiar ou profissional.”

“Ao entender o funcionamento do paciente como um todo, consigo tratá-lo melhor na sua necessidade. A clínica Emilio Moriguchi é conhecida no Japão como o lugar que trata o coração. Não o órgão, mas a alma.”

O senhor formou-se em medicina na UFRGS e voltou ao Japão para fazer doutorado. Quando chegou lá, já sentia-se diferente dos médicos japoneses?
Muito, e essa diferença era visível. Todos vinham comentar como eu tinha me tornado um profissional distinto, sobretudo porque falava com os pacientes. Coisas triviais, do tipo “como anda a vida?” ou “como está em casa e no trabalho?”. Eles diziam que isso não era papel do médico.

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Mari Kalil

Mari Kalil

Sou escritora, jornalista, colunista da Band TV e Band News FM e autora dos livros "Peregrina de araque", "Vida peregrina" e "Tudo tem uma primeira vez". Sou gaúcha, nasci em Porto Alegre, vivo em Porto Alegre, mas com os olhos voltados para o mundo. Já morei em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Barcelona. Já fui repórter, editora, colunista. Trabalhei nos jornais Zero Hora, O Estado de S.Paulo e Jornal do Brasil; nas revistas Época e IstoÉ e fui correspondente da BBC na Espanha, onde cursei pós-graduação em roteiro, edição e direção de cinema na Escuela Superior de Imagen y Diseño de Barcelona. O blog Mari Kalil Por Aí é direcionado a todas as mulheres que, como eu, querem descomplicar a vida e ficar por dentro de tudo aquilo que possa trazer bem-estar, felicidade e paz interior. É para se divertir, para entender de moda, de beleza, para conhecer lugares, deliciar-se com boa gastronomia, mas, acima de tudo, para valorizar as pequenas grandes coisas que estão disponíveis ao redor: as coisas simples e boas.

11 Comentários
  1. Excelente entrevista com um profissional competente e humano. Sugiro fazer uma série de entrevistas com esse tema. Saber envelhecer é um aprendizado.

  2. Gostei muito da entrevista. Envelhecer com saúde é a melhor forma de ser feliz. Quem chegar aos 60 anos sem pressão alta, diabetes, colesterol alto ou é sortudo ou bastante cuidadoso. Ótimas perguntas e ótimas respostas. Gostaria muito de consultar com ele. Dá ânimo de viver. Parabéns.

  3. Sensacional a entrevista! Parabéns Mariana pela notável matéria e ao Dr. Emilio pela medicina visando o cuidado integral do paciente!
    Esta é a Medicina do Futuro.
    Obrigada

  4. Gostei muito, ainda mais por conhecer o professor e ter a minha esposa com 73 anos fazendo pós doutorado com ele em saúde e espiritualidade, tema que será objeto do segundo simpósio de saúde e espiritualidade. Com temas que nos fascinam e rejuvenescem.

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