Diário da Mari: “Dizer ‘não’ nada tem a ver com egoísmo, mas com amor-próprio”

O programa estava armado: cinco amigas livres, leves e soltas de carro pelas estradas do Brasil. Origem: Porto Alegre. Destino: Rio de Janeiro. Poderia existir liberdade maior do que saracotear sem censura na Cidade Maravilhosa? Poderia, se eu soubesse dizer “não”. Definitivamente eu não queria ser uma das cinco amigas livre, leve e solta no Rio de Janeiro naquele verão de 1992. Um dia quis, mas, na véspera da viagem, não queria mais.

olivia10-350x4995ELA ADORA FAZER ISSO

Tenho o hábito de mudar de ideia e vontade com bastante facilidade. Inclusive, não faço planos de um dia para o outro e comumente meus desejos variam de acordo com o turno. O humor também.

bento1124EU QUE O DIGA

Pessoas como eu não podem planejar férias com antecedência – e havia cometido o pecado mortal de permitir que minhas amigas armassem toda a viagem dois meses antes e tendo em vista um profundo agravante: no meu carro, comigo de motorista. Como voltar atrás sem saber dizer não? Esta era a resposta que tentava encontrar do lado de dentro do banheiro, catatônica, trancada e exilada, ajoelhada e com a cara dentro do vaso. Vomitando sem parar.

mulher-vomitandoUUUEEERGH!!

Aprender a dizer não é uma das coisas mais difíceis que existem. Porque desagradar é muito complicado. A mania que a gente tem de agradar os outros acaba sempre nos desagradando e nos afastando mais e mais de quem somos de fato – e naquele verão de 1992 eu não incorporava o espírito aventureiro de uma adolescente disposta a pegar a estrada para saracotear longe de casa. Não queria viajar 1.200 quilômetros até as águas límpidas e as areias douradas da paisagem carioca. Preferia percorrer 250 quilômetros para levar rajada de vento na cara e relhada de areia nas pernas no chocolatão da praia do Cassino. Como se resolve isso? Simplesmente dizendo não.

homem-no1NÃO, NÃO E NÃO

Dizer não é essencial para a nossa felicidade e bem-estar. Não, eu não quero. Não, eu não gosto. Não, eu não vou. Simplesmente não. O “não” não é uma ofensa. É apenas uma resposta negativa. Alguns indivíduos têm a necessidade de sempre agradar os outros, e nesse cenário realmente fica difícil negar alguma coisa a alguém. Até aquele momento dos meus 20 anos, somava essa estatística. Não entendia que a minha vontade era tão importante quando a vontade de qualquer pessoa, que os meus desejos, os meus gostos, os meus sentimentos, enfim, têm o mesmo valor que os de quem quer que seja.

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O que aconteceu após minha saída do exílio do banheiro eu pouco lembro. Depois de deixar até a bílis dentro do vaso, fui achada de bruços, com os braços esticados para trás, me debatendo feito uma britadeira contra o chão. Estava sofrendo uma convulsão cerebral. A incapacidade de dizer não rendeu oito pontos no queixo e uma série de exames neurológicos. Tive uma convulsão cerebral porque não soube dizer não.

mulher com nojoDÁ PRA ACREDITAR?

O corpo falou por mim. Aprender a dizer não nada tem a ver com egoísmo. Trata-se de amor próprio – e amor próprio nada tem de feio. É o amor próprio que faz com que a gente não permita que nada e nem ninguém tire de nós o valor que temos por nós mesmos. Ter amor próprio é se admirar, é se valorizar, é se cuidar, é se respeitar, é ser importante para si mesmo. Aquele dia eu entendi que o “não” significava também a preservação da saúde física e mental. A partir daquele dia, aprendi a dizer não. Quando não quero alguma coisa, simplesmente digo não. Sem raiva nem emoção. Apenas uma palavrinha pequena e negativa: não.

shouting-womanEXPERIMENTA!

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Mari Kalil

Mari Kalil

Sou escritora, jornalista, colunista da Band TV e Band News FM e autora dos livros "Peregrina de araque", "Vida peregrina" e "Tudo tem uma primeira vez". Sou gaúcha, nasci em Porto Alegre, vivo em Porto Alegre, mas com os olhos voltados para o mundo. Já morei em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Barcelona. Já fui repórter, editora, colunista. Trabalhei nos jornais Zero Hora, O Estado de S.Paulo e Jornal do Brasil; nas revistas Época e IstoÉ e fui correspondente da BBC na Espanha, onde cursei pós-graduação em roteiro, edição e direção de cinema na Escuela Superior de Imagen y Diseño de Barcelona. O blog Mari Kalil Por Aí é direcionado a todas as mulheres que, como eu, querem descomplicar a vida e ficar por dentro de tudo aquilo que possa trazer bem-estar, felicidade e paz interior. É para se divertir, para entender de moda, de beleza, para conhecer lugares, deliciar-se com boa gastronomia, mas, acima de tudo, para valorizar as pequenas grandes coisas que estão disponíveis ao redor: as coisas simples e boas.

11 Comentários
  1. Desculpe, Mariana! Mas este teu relato é de uma pessoa extremamente egoísta e sem nenhum comprometimento nem consideração com os outros. Uma coisa seria ter dito o “não ” quando a viagem estava sendo planejada, outra coisa é dizer o “não ” na véspera simplesmente porque vc é uma pessoa que muda de idéia na última hora e naquele momento não estava mais a fim de fazer a tal viagem, interrompendo os planos das outras 4 amigas que já tinham se organizado para isso. A tua convulsão não deve ter sido por não saber dizer o no, foi tua consciência te acusando do teu completo egoísmo.

      1. Parabéns! Como custou a aparecer meu comentário achei que fosse daqueles blogs onde só postam os comentários concordando e aplaudindo o que foi escrito, sem respeitar pontos de vista diferentes ou críticas.

  2. Adorei. Demorei um pouco mais para aprender a dizer não. Quando fiz senti um orgulho e uma sensação ótima. Chega de agradar os outros e se flagelar
    O não é bem vindo ao meu novo modo de vida.

  3. Olá Mariana
    Adoro suas colunas! Parecem que sempre falamos para mim….
    Realmente dizer NÃO é bem difícil!
    Estou me esforçando para incluí-lo em meu vocabulário. Hehehehehe
    Sucesso para ti!
    Abraços
    Adri

  4. Trilha sonora, música do Kid Abelha: “Dizer não é dizer sim. Saber o que é bom pra mim. Não é só dar um palpite…. É mostrar o meu limite”. Beijos.

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