Dizem que os cachorros vão ficando parecidos com os donos à medida que o tempo passa – e vice-versa. Eu, que não acreditava muito nessa história, começo a desconfiar que seja a mais pura verdade. Anda existindo uma simbiose entre o animal e eu – tirando apenas a parte de que um veio ao mundo a trabalho (eu) e o outro veio a passeio (ele). A questão é que venho percebendo algumas coincidências em nossas vidas que me levam a pensar que não são meras coincidências. Faz parte dessa integração entre dois seres.
PREPAREM OS OUVIDOS PARA O NHEM NHEM NHEM
Essa hipótese me ocorreu na ida para Punta de férias, quando eu estava mal do meu ouvido. Durante todas as idas para Punta, quem sempre está mal do ouvido é o animal. Desta vez era eu. Foi quando Chico atentou para o fato. “Tu já percebeu como vocês são parecidos? Até problema no ouvido têm igual!”. Dei uma risada alta e, com a estrada inteira pela frente, fiquei ali, em silêncio a divagar sobre essas semelhanças entre cachorro e dono. Seriam reais? Ficariam ainda mais intensas e evidentes ao longo dos anos de convívio? Será que eu havia chegado ao ponto de ter problema no ouvido durante as viagens justamente como acontece com o animal?
Bento e eu não gostamos de grandes movimentações – sobretudo em casa. Claro, gostamos de receber amigos para jantar, mas confusão, festinha, entra e sai, barulho? Isso nunca foi muito a nossa praia. E é algo que tem ficado ainda mais intenso com o passar dos anos – o que leva o animal a se encerrar não apenas no quarto, mas no closet. Primamos pelo silêncio, fazemos ioga juntos (ele insiste em pegar um pedaço do meu tapetinho), precisamos do passeio matinal (eu brinco que ele incomoda pra sair, mas é minha cachaça também) e adoramos dormir cedo. São características mútuas que me vêm de imediato à cabeça.
FALA DAQUELA PESQUISA, MARIANA!
Essa pesquisa é sobre aparências. Para verificar se as pessoas realmente pareciam com os seus cachorros, o psicólogo Sadahiko Nakajima, da Universidade Kwansei Gakuin University no Japão, tirou fotos de 20 pessoas e os seus cães. Para cada dono, ele criou duas imagens: uma com o dono e o seu verdadeiro cachorro e uma com o dono e outro cachorro que não era o seu. Ele apresentou as imagens a 502 estudantes e pediu para identificar qual cachorro pertencia ao dono. Conclusão: 80% dos estudantes adivinharam corretamente.
CACHORROS E DONOS COMPARTILHAM O MESMO OLHAR
Intrigado para saber qual fator determinava se o cachorro era parecido com o dono, Nakajima cobriu as bocas dos donos e apresentou as imagens a um grupo. A taxa de acerto continuou alta: aproximadamente 73%. Quando o professor mostrou somente os olhos dos animais e dos donos para 50 estudantes, ainda obteve uma taxa de acerto de 70%. Porém, quando ele cobriu os olhos dos donos, a taxa de acerto caiu para 50%. O que isso revela é que o olhar de donos e seus cães podem ficar similar ao longo do tempo, deixando assim, os dois parecidos.
SERÁ?
Há uma questão muito curiosa que sempre ocorreu em nossos quase 14 anos de convívio: quando eu não tenho tempo e/ou dinheiro, Bento sempre inventa algo. Quando morávamos em Barcelona e éramos dois durangos kids, Bento tinha o dom de arranjar algum problema de saúde cada vez que eu recebia por algum trabalho pela BBC. Ou seja: cada vez que eu achava que teríamos um respiro no orçamento que foi contado para a Espanha, o animal inventava algo: alergia, ouvido inflamado, problema na pata… E lá se iam todos os euros para a conta do veterinário. Sempre tinha alguma coisa que coincidia com a entrada de alguns euros na minha conta.
Em função do melanoma que tive há quase dois anos, sou obrigada a fazer exames de rotina a cada três meses. Em função de nódulos nos testículos, que não sabemos exatamente o que são, mas optamos por não castrar o animal, Bento é obrigado a fazer ultrassonografia a cada três meses. Conclusão: além de tudo, fazemos check up juntos. Como se não bastasse, domingo fomos ao Parque e sofremos duplo ataque de insetos. Eu fui premiada com um ferrão de abelha embaixo do braço. Nunca tinha levado um ferrão na vida – o que imediatamente me fez olhar as abelhas com outros olhos.
Senti o infortúnio na hora. Dói pra burro. Chico conseguiu tirar o ferrão ali no parque mesmo – e meu braço começou a formigar de dor. O infortúnio do Bento eu fui perceber ontem à noite. Jantava em casa quando olhei para trás e ele estava deitado gelando a pança no chão. Atrás da patinha direita, sangue. Bastante sangue. Encerrei o jantar e fui olhar. Coloquei ele em cima do balcão e espiei de onde vinha o sangue. Vinha de uma bola na barriga, próximo dos testículos. A bola tinha um furinho bem redondinho, de onde saía o sangue. Limpei e fomos dormir.
Hoje de manhã, o sangue continuava saindo. Fui olhar de novo. A bola parecia ainda maior. Então, justamente no dia que eu tinha tirado para ficar encerrada no escritório de casa escrevendo a matéria de capa da próxima revista Donna sem dar chance para outro tipo de concentração, o animal inventou de ter alguma coisa. Se em Barcelona, ele acertava em cheio os dias de um saldo bancário um pouco melhor, agora ele tem o dom de acertar em cheio os dias em que não posso fazer outra coisa que não trabalhar e trabalhar para cumprir prazos.
ISTO É BENTO
ELA ACHA QUE FAÇO DE PROPÓSITO
ÀS VEZES, ACHO MESMO
Conclusão: pegamos o carro rumo ao Hospital Veterinário e de lá voltamos agora há pouco. No dia em que uma abelha largou um ferrão no meu braço, uma mosca varejeira largou larvas no animal.
A BOLA NA BARRIGA DELE ERA BERNE
EU VI AS LARVAS VIVAS NA MÃO DA DRA. NEUSA
PARA DE FALAR DISSO
NUNCA MAIS VOU ESQUECER
E UM DIA PENSEI QUE DARIA UMA BOA VETERINÁRIA…
CALA A BOCA
Eu acho berne um assunto muito sério. Tive um cocker spaniel, o Gordo, que perdeu o olho por causa de berne. Se eu tivesse lido sobre o assunto antes de ir na Dra. Neusa, teria visto que era evidente se tratar de berne. A bola na barriga do Bento tinha um furinho beeem redondinho beeem no meio. É o orifício central que as larvas usam para respirar e se manterem vivas. Elas perfuram e se instalam sob a pele, permanecendo no tecido subcutâneo (em baixo da pele) por 39 a 50 dias. Quando atingem de 5 a 6 cm., caem no chão e se tornam pupas, que originarão insetos adultos dentro de 32 a 43 dias. Os bernes são muito dolorosos, inflamam e podem formar abscessos principalmente quando a larva morre no interior do cisto.
COMO A MOSCA COLOCA LARVAS, MARIANA?
A vida da mosca varejeira tem a duração de 24 horas, então ela não tem muito tempo para se reproduzir e proliferar os ovos. Como mecanismo de perpetuação de espécie, ela captura outro inseto (na maioria das vezes outras moscas) e deposita seus ovos nele. Esse inseto acaba encontrando um mamífero (neste caso, o Bento) e hospedando a larva em seu corpo. Por isso é comum existir cães com berne em um lugar sem moscas varejeiras.
Quando ela pousa sobre o animal, as larvas imediatamente se projetam para fora do ovo, caminham por entre os pelos até atingirem a pele. Ali criam uma pequena perfuração por onde penetram. É nesse local que a larva irá se desenvolver. Em cerca de 1 semana, a larva já aumentou 8 vezes de tamanho, podendo permanecer por 40 dias ou mais na pele do hospedeiro, crescendo continuamente. O orifício por onde a larva penetrou continua aberto durante todo o tempo, pois é através dele, como já disse antes, que ela respira. Por esse detalhe torna-se fácil reconhecer uma lesão causada por berne: um nódulo subcutâneo com um orifício bem visível na superfície da pele. Basta identificar um caroço com uma ponta esbranquiçada
SÓ ELA NÃO PERCEBEU
A melhor coisa a fazer imediatamente foi o que fizemos: procurar um veterinário. As larvas devem ser removidas antes de qualquer coisa. Do Bento, foram retiradas cinco. Dra. Neusa acredita que existam outras. Deu uma medicação para que elas morram e consiga remover amanhã, pois terá que ir mais profundamente ao ponto.
VAMOS VOLTAR AO HOSPITAL AMANHÃ?
Pois é. Vamos…
NO DIA DO FECHAMENTO DA REVISTA