Há um odor no ar desta casa concentrado basicamente no escritório, de onde vos escrevo agora e diariamente. Este odor vem de baixo dos meus pés e é exalado por um animal azedo em todos os sentidos: azedo de humor e azedo da umidade que toma conta da cidade de Porto Alegre há três dias. Chove muito em Porto Alegre desde segunda-feira e continuará chovendo nesta quarta-feira. Com esta realidade meteorológica, torna-se humanamente impossível realizar os passeios matinais com o animal, cujo mau humor chegou a níveis nunca antes vistos na história dos seus 15 anos.

ESTOU DOS BASTANTE IRRITADOS

Bento é movido a serotonina liberada pelos exercícios físicos. Diferentemente de Papaqui, caso não passeie, o convívio com a criatura torna-se quase insuportável. Eu digo quase porque ele é meu cachorro amado, idolatrado e de quem tudo tolero.

TENHO UMA PACIÊNCIA DAS GRANDES

A RECÍPROCA É VERDADEIRA

Papaqui gosta de passear e tal, faz coro ao animal quando ele começa a berrar e a se estrebuchar na frente da porta, mas, se não der para sair, ela também não está fazendo muita questão. É preguiçosa. Pode passar o dia atirada com a cabeça apoiada em uma almofada ou travesseiro que está tudo certo.

POR ISSO QUE ELA NÃO EMAGRECE

Papaqui precisa perder uns dois, três quilos, mas não há o que faça isso acontecer. Já mudei a ração para diet, já faço caminhadas mais longas – e nada. Estou convencida de que é questão de perfil mesmo. Ela é mais cheinha e pronto. Uma gordinha lépida, faceira e feliz.

ELA COME ESCONDIDO

Há meses o animal tenta me convencer de que Papaqui come escondido, mas até agora não apresentou nenhuma prova. Agora, deu para argumentar que eu preciso instalar câmeras de vigilância nesta casa a bem de flagrar a Gorda com a boca na botija. Não vejo sentido algum, uma vez que não percebo nada faltando na despensa, no armário da cozinha ou na geladeira.

ELAS SÃO ALIADAS

Aliado deveria ser o animal a bem de ajudar a pagar as despesas desta casa. Mas não. Ele alega que eu já exploro bastante a imagem de vossa excelência e que não faço mais do que minha obrigação de manter seu estilo de vida de quem veio ao mundo a passeio, apenas com direitos e nenhum dever.

CONCLUSÃO DAS ÓBVIAS

A discussão sobre este assunto recomeçou (sim, porque nunca termina) depois que eu mostrei para ele o trabalho da artista japonesa Hiroko Kubota. Ela cria pets bordados à mão em bolsos de camisas que são a coisa mais linda deste mundo. Logo, tive a ideia de fazer algo parecido com a imagem do animal.

EXPLORAÇÃO DAS GRANDES

Hiroko Kubota é autodidata e começou criando apenas gatinhos saindo de bolsos de camisas. O sucesso foi instantâneo, e ela partiu também para a criação com cachorros. A ideia começou de maneira muito insólita: ela foi costurar as iniciais do filho no uniforme da escola quando ele virou-se para ela e perguntou: “Mãe, no lugar do meu nome, não pode ter bordado um gatinho?”.

Olha no que deu a provocação!

OOOOOOOOHHHHHHHHH!!
Não é um amor?

ESSES DOIS, QUE TAL?

E ESTE DISTRAÍDO COM A BORBOLETA?

Espia só os outros bordados de gatinhos! Ela cria em qualquer cor de camisa!

O bacana é que Hiroko percebeu o filão de atender sob encomenda e agora cria também para donos que querem ter seu bichinho de estimação bordado. Só que a procura está sendo tanta, mas tanta, mas tanta que pode levar até dois anos desde a encomenda até a peça pronta.

Olha os cachorros, por favor!

NÃO É UMA FOFURA?

ELA QUER FAZER ISSO COMIGO

Claro! Imagina sair por aí com meu Xerife bordado no peito?

NÃO EMPRESTO MINHA IMAGEM

Não tem problema, eu faço com a imagem da Gorda.

ELA NÃO VAI CABER NO BOLSO