Os suecos e o sol


Quando morava em Barcelona, tinha uma amiga sueca, a Josephine. Sempre que a gente ia juntas para o intervalo das aulas, no pátio da escola, a Josephine ficava conversando comigo e olhando pra cima, pro céu. Às vezes, ela me dava uma espiadinha, mas era raro. Parecia conversa de louco. Eu olhando pra Josephine, ela olhando pro céu. Eu não sabia muito bem como perguntar pra Josephine por que, afinal, ela não me olhava nos olhos (desconfio de gente que fala e não olha nos olhos). Não que eu desconfiasse na Josephine, se vocês conhecessem a Josephine veriam que não havia motivo para qualquer desconfiança. Mas não deixava de ser estranho.
***
A primeira vez que isso aconteceu, pensei que eu pudesse estar com alguma sujeirinha no dente – e que a Josephine estava constrangida de me dizer. Na segunda vez, pensei que não podia estar de novo com uma sujeirinha no dente. Devia ser minha cara amassada de sono mesmo que assombrava a Josephine. Mas na vigésima vez, não havia explicação.
***
Um belo dia, quando já me considerava mais íntima da Josephine, perguntei para ela:
– O que tem no céu que encanta tanto você?
– Hã? – ela respondeu.
– No céu! O que tem no céu que encanta tanto você? Você vive olhando para cima… Ela soltou uma risada.
– Ah, Mariana, é o sol!
– O sol?
– Sim, o sol! E daí a Josephine me deu uma explicação que me deixou de queixo caído.

Como se sabe, na Suécia, são pouquíssimos os meses de calor. Tipo dois, três meses por ano. Mais raros ainda são os dias de sol. Com a falta de sol, é muito comum os suecos se deprimirem. Pra evitar a depressão, existe para vender na Suécia uma espécie de luminária que, quando acesa, é parecida com o formato e com a luz do sol.
Daí os suecos colocam essas luminárias em casa para não sofrer tanto. O que para a gente é um acontecimento tão comum – um dia de sol – para eles é raridade. Entendi muito a Josephine. Aliás, eu, se fosse ela, nem estaria na sala de aula em dias de sol.
***
Me alonguei como sempre… Contei toda essa história porque vi essa jarra iluminada e me lembrei da minha amiga Josephine.

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Mari Kalil

Mari Kalil

Sou escritora, jornalista, colunista da Band TV e Band News FM e autora dos livros "Peregrina de araque", "Vida peregrina" e "Tudo tem uma primeira vez". Sou gaúcha, nasci em Porto Alegre, vivo em Porto Alegre, mas com os olhos voltados para o mundo. Já morei em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Barcelona. Já fui repórter, editora, colunista. Trabalhei nos jornais Zero Hora, O Estado de S.Paulo e Jornal do Brasil; nas revistas Época e IstoÉ e fui correspondente da BBC na Espanha, onde cursei pós-graduação em roteiro, edição e direção de cinema na Escuela Superior de Imagen y Diseño de Barcelona. O blog Mari Kalil Por Aí é direcionado a todas as mulheres que, como eu, querem descomplicar a vida e ficar por dentro de tudo aquilo que possa trazer bem-estar, felicidade e paz interior. É para se divertir, para entender de moda, de beleza, para conhecer lugares, deliciar-se com boa gastronomia, mas, acima de tudo, para valorizar as pequenas grandes coisas que estão disponíveis ao redor: as coisas simples e boas.

Sem comentários ainda.
  1. Nossa, minha amiga Adelyne ,que é Francesa ,tb adora ficar olhando para o sol.
    Na verdade hj ela é mais Inglesinha doque francesa, talvez seja por isso, afinal,depressão por falta de sol, na Inglaterra é mato.
    Amei o post. bjs

  2. Nossa, minha amiga Adelyne ,que é Francesa ,tb adora ficar olhando para o sol.
    Na verdade hj ela é mais Inglesinha doque francesa, talvez seja por isso, afinal,depressão por falta de sol, na Inglaterra é mato.
    Amei o post. bjs

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