Vestir a camiseta do Snoopy significa muito mais do que estar na moda

Há personagens de quadrinhos com os quais temos uma profunda identificação e pelos mais variados motivos. Quando eu era adolescente, amava dois: Garfield e Snoopy. Tinha uma coleção de bonecos Garfield, cerca de uns 20, espalhados pelo quarto inteiro. As paredes deste meu quarto eram tomadas de pôsteres do gato mais mal humorado que já conheci. Na época, lá pelos meus 13 anos, eu era meio cheinha (fisicamente falando) e havia duas frases do Garfield com as quais me identificava demais: “Não sou gordo. Sou é pouco alto” e “Se você quer parecer mais magro, aproxime-se dos mais gordos”.

tirinha garfield 65ADOOOORO A IRONIA  E A CARA DE PAU DELE

bento1123SOU UM POUCO PARECIDO

woman confusedUM POUCO??!!!

Minha mãe, que se preocupava com a minha saúde e forma física dali para frente, quase morria com esses dois pôsteres ilustrados com essas duas frases em cima da cabeceira da minha cama. Eu ria por dentro. Irônica igual ao meu gato querido.

ga050502yw8FAZIA DANCINHA DA VITÓRIA DESDE AQUELA ÉPOCA

Snoopy era outra paixão. Snoopy e toda a sua turma: Lucy, Woodstock, Charlie Brown… Eu tinha camisola do Snoopy, abrigo do Snoopy, camiseta do Snoopy, caderno do Snoopy, papel de carta do Snoopy, livros do Snoopy… Tudo era Snoopy, Snoopy, Snoopy. Era tanta paixão que meu primeiro cachorro, aquele a quem me foi dada pela primeira vez a responsabilidade de cuidar e alimentar, foi batizado de… Snoopy, também conhecido como Gordo, meu amado e inesquecível Cocker Spaniel preto a quem dediquei um capítulo do meu terceiro e último livro, Tudo tem uma Primeira Vez, e sobre quem inicio falando em meu primeiro livro, Peregrina de Araque.

peregrina-280OI, PRIMEIRO LIVRO!

tudo tem uma primeira vezOI, TERCEIRO LIVRO!

bento1123ELA DEDICOU UM CAPÍTULO PARA MIM NO SEGUNDO LIVRO

vidaperegrina280OI, SEGUNDO LIVRO!

manaBENTO É MUITO CIUMENTO

Snoopy e Garfield são dois personagens que visto a camiseta até hoje – e quando falo em vestir a camiseta, falo literalmente. Garfield esteve na moda um tempinho atrás; agora é a vez do Snoopy, embalado pelo longa Snoopy & Charlie Brown, o Filme, lançado no finalzinho do ano passado.

Olha o trailer!

Pois eu andei topando aqui e ali com um sem número de produtos do Snoopy e fiquei com vontade de ter todos. Alguns não estão à venda aqui no Brasil; alguns estão e outros consegue-se por e-commerce de sites de fora.

Olha!

snoopy13AMEI COM TODAS AS MINHAS FORÇAS ESTE TÊNIS IATE DA GAP
Hey, Converse e Vans: não vai rolar nada parecido?

snoopy17AMEI COM TODAS AS MINHAS FORÇAS ESTA CAMISETA DA RIACHUELO
Preciso ir ao shopping urgentemente!

snoopy4AMEI COM TODAS AS MINHAS FORÇAS ESTA JAQUETA BOMBER DA DAFITI
Mas já ouvi tanto relato ruim deste e-commerce que fico com medo de arriscar…

snoopyAMEI COM TODAS AS FORÇAS ESTE MOLETOM DA UNIQLO
Em se tratando de uma loja japonesa com venda online, acredito que vale a pena arriscar

snoopy16

AMEI COM TODAS AS FORÇAS ESTA POLO DA LACOSTE
Snoopy no lugar do jacaré da marca! Será que o Chico ia gostar?

Espia só outros achados!

E agora, olhando todas essas imagens, me peguei pensando no Gordo. Não consigo lembrar se já reproduzi aqui o capítulo em que falo dele em meu último livro… Se reproduzi, vou reproduzir de novo. Foi um dos únicos capítulos (se não foi o único!) em que a Lu Thomé, minha querida e carrasca agente literária e revisora, não pediu para repensar ou mexer em alguma vírgula. Passou incólume pelo crivo da Lu – e olha que isso é bastante raro! Foi também o capítulo mais rápido que escrevi. Acho que saiu, assim, em uns 10 minutos. A alma jorrava sentimentos que se materializam em palavras e frases. É por isso que vestir qualquer peça de roupa do Snoopy, para mim, significa algo muito maior do que simplesmente estar na moda.

apontando_para_baixo_0111AQUI ESTÁ!

A primeira vez que…. Fui dona de cachorro

Sou filha de mãe cachorreira e de pai que jogou a toalha na batalha contra cachorros dentro de casa. Os três filhos da dona Iolanda e do doutor Renato herdaram o gene materno (perdeu, papai!). Não lembro de crescer sem cachorros na volta. Quando mudamos de apartamento para casa com jardim, eles se multiplicaram – e eu ganhei de presente meu primeiro cão: um Cocker spaniel preto a quem batizei de Snoopy.

Snoopy entrou na minha vida em um momento delicado, em que acabara de trocar de turma e de escola. Mais do que alimentá-lo e levá-lo para passear, tornou-se meu confidente. Éramos unha e carne, capazes de sentir as mesmas dores, chorar as mesmas lágrimas, sorrir das mesmas coisas. O meu quarto era nosso. De segunda a sexta-feira, quando madrugava para ir para o colégio, dava duas batidinhas no colchão. Era o que bastava para ele decodificar o sinal. Tomava conta da cama e dormia com a cabeça no travesseiro e o cobertor até os dentes. Ai de quem tentasse entrar no templo sem ser convidado.

– Dona Iolanda, não consigo arrumar o quarto da Mariana – queixava-se a Lorena diariamente.
– Tira o Snoopy de lá, Lorena – dizia minha mãe.
– Não consigo, Dona Iolanda. Ele rosna feito um leão.

Não havia felicidade maior do que chegar do colégio e encontrar o Snoopy abafado, roncando de barriga para cima, com um quarto inteiro para chamar de seu. Saí da infância para a pré-adolescência tendo o Snoopy como testemunha. Terminei o colégio, prestei vestibular, entrei na faculdade, me formei em Jornalismo e consegui meu primeiro emprego dividindo e comemorando com ele cada etapa de uma nova fase da vida. Enquanto crescia e me tornava mulher, Snoopy conhecia as limitações da idade. Perdeu a visão de um olho, depois de outro e já não caminhava com a mesma desenvoltura. O focinho branco era a marca indelével de que o tempo jamais compra passagem de volta.

Ele acabara de completar 12 anos quando, um belo dia, fui até o quarto convidá-lo para jantar e não o encontrei. Chamei, chamei por todos os cantos da casa. Nada. A família mobilizou-se para buscá-lo pelos cômodos, atrás das cortinas, embaixo das camas. Nem sinal. Como estava cego, imaginamos que podia estar preso em algum lugar, mas não estava. Havia desaparecido misteriosamente. Aquela noite, não dormi. Tampouco nas seguintes. O sumiço do Snoopy era um mistério que me consumia por dentro e desfigurava meu rosto de tanto chorar. Comprei uma centena de folhas de papel ofício, canetas coloridas e fita adesiva e saí pelo bairro colando cartazes com a foto dele em todas as esquinas.

Usei o salário de repórter recém-formada para fazer um anúncio na página mais nobre e cara do jornal. Os dias passaram e nenhuma notícia. Compadecido do meu sofrimento, o jornalista Túlio Milman, um grande amigo, fez o que só grandes amigos são capazes de fazer por uma amizade: colocou o emprego em risco. Antes de despedir-se dos telespectadores do telejornal que apresentava à noite, contou que a vida de uma colega dependia do aparecimento do seu animal de estimação. Leu as características do Snoopy no ar e forneceu o contato da emissora. Passava das 11 horas da noite quando meus pais invadiram o quarto eufóricos. O telefone acabara de tocar. Estava descoberto o paradeiro do meu cão. O dono de uma pet shop da redondeza assistia ao canal quando ouviu a súplica incomum daquele apresentador engravatado. Telefonou para a emissora e avisou da sua localização.

Lembro como se fosse hoje do nosso reencontro naquela madrugada. Snoopy estava deitado em um cantinho da sala daquela casa estranha, virado para a parede. Me aproximei e falei seu nome. Sem enxergar, ele levantou a cabeça e colocou o faro para funcionar. Estendi a mão próxima ao nariz para ajudá-lo. Ele saltou sem manifestar qualquer sobrecarga da idade. Abanava freneticamente o rabo e uivava feito lobo. Tinha sido encontrado por uma senhora, vagando sem destino pela rua. Concluímos que o portão da garagem pudesse ter aberto sozinho e às cegas ele saiu sem saber para onde ia. Voltou para casa ainda mais mimado e tivemos ainda o privilégio de mais um ano de convívio.

Meu primeiro cão morreu aos 13 anos, quando eu completei 23. Morreu de velho. Foi um dos dias mais tristes de toda a minha vida. Senti como se tivessem arrancado um pedaço de mim, como se uma parte importante de quem eu era tivesse desaparecido com ele. Não tive coragem de ver seu corpo. Pedi que fosse cremado. No dia em que as cinzas foram entregues em casa, passei horas trancada no nosso quarto, acariciando a tampa daquele pote fechado. Durante dois longos anos tentei sentir o lugar em que ele gostaria de vê-las jogadas. Enquanto isso, aquela sepultura dormia ao meu lado, acomodada em uma pantufa que ele adorava fazer de travesseiro.

As cinzas do Gordo, como também o chamava, foram distribuídas em um recanto do jardim da casa dos meus pais, onde ele cresceu e viveu, num belo domingo ensolarado. Não poderia ter sido diferente, Snoopy jamais deixaria de querer estar pela volta. Algumas pessoas dizem que, por mais cachorros que a gente tenha ao longo da vida, um deles sempre será único, será “o” cachorro. Durante um bom tempo, concordei. Mas só quando me tornei dona da Patrícia e depois do Bento, entendi que cada um deles é único e tem seu lugar cativo ao longo da nossa jornada. Cada um deles divide conosco momentos diferentes e expressivos da nossa história. Pena que vida deles passe tão rápido, que a amizade seja tão fiel e ao mesmo tempo tão breve. Pena que a companhia deles seja tão vital e o amor tão verdadeiro, mas que dure tão pouco.

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Mari Kalil

Mari Kalil

Sou escritora, jornalista, colunista da Band TV e Band News FM e autora dos livros "Peregrina de araque", "Vida peregrina" e "Tudo tem uma primeira vez". Sou gaúcha, nasci em Porto Alegre, vivo em Porto Alegre, mas com os olhos voltados para o mundo. Já morei em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Barcelona. Já fui repórter, editora, colunista. Trabalhei nos jornais Zero Hora, O Estado de S.Paulo e Jornal do Brasil; nas revistas Época e IstoÉ e fui correspondente da BBC na Espanha, onde cursei pós-graduação em roteiro, edição e direção de cinema na Escuela Superior de Imagen y Diseño de Barcelona. O blog Mari Kalil Por Aí é direcionado a todas as mulheres que, como eu, querem descomplicar a vida e ficar por dentro de tudo aquilo que possa trazer bem-estar, felicidade e paz interior. É para se divertir, para entender de moda, de beleza, para conhecer lugares, deliciar-se com boa gastronomia, mas, acima de tudo, para valorizar as pequenas grandes coisas que estão disponíveis ao redor: as coisas simples e boas.

2 Comentários
  1. Oi Mariana, temos tres coisas em comum, gostar do Garfield, do Snoop e ser apaixonada por cachorro. Achei linda tua historia me emocionei.
    Gosto muito de ler tudo que voce escreve. Continue assim!!
    Parabens!!
    Ja enviei um e-mail pra voce outro dia.

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