Desde 1973, a população da Dinamarca tem sido eleita recorrentemente a mais feliz do mundo pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico. Os dinamarqueses também foram considerados o povo mais feliz do mundo por todas as edições do Relatório Mundial da Felicidade, publicado pelas Nações Unidas. Diante da constatação, fica a pergunta: o que distingue os dinamarqueses da maior parte dos países?
A escritora e pesquisadora cultural americana Jessica Joelle Alexander, casada há 13 anos com um dinamarquês e com quem teve dois filhos, e a escritora e terapeuta da Associação Dinamarquesa de Psicoterapia dinamarquesa Iben Dissing Sandahl se dedicaram durante anos a entender as peculiaridades do povo dinamarquês e chegaram à conclusão que toda essa felicidade resulta da forma como os dinamarqueses são criados.
O livro Crianças Dinamarquesas é justamente o resultado dessa imersão no país escandinavo e na filosofia praticada na educação dos filhos. Segundo as autoras, o método gera resultados poderosos: crianças felizes, emocionalmente seguras e resilientes, que se tornam também adultos confiantes e estáveis, que, por sua vez, reproduzem esse estilo de criação quando têm seus próprios filhos.
CRIANÇAS DINAMARQUESAS
Não ficção
AUTORAS: Jessica Joelle Alexander e Iben Dissing Sandahl
Tradutor: André Fontenele
Páginas: 144
Preço: R$ 34,90
E-book: R$ 23,90
Para explicar as particularidades do método dinamarquês, as autoras criaram a sigla FILHOS (em português) em que cada letra designa uma característica na maneira de criar os filhos. Assim, a letra F significa farra; a letra I, integridade, o L representa a linguagem; o H corresponde à humanidade; a letra O designa a importância da opressão zero e o S, a socialização.
F de Farra
Em 1871, o casal Niels e Erna Juel‑Hansen elaborou o primeiro método pedagógico baseado na teoria educacional que incorpora a brincadeira. Eles descobriram que brincar livremente é crucial para o desenvolvimento da criança. Na verdade, durante muito tempo os dinamarqueses não entravam na escola antes dos sete anos. Os educadores e os responsáveis pelo estabelecimento do calendário escolar não queriam que as crianças fossem incorporadas tão cedo ao sistema educacional porque consideravam que precisavam, antes de tudo, brincar.
ELAS BRINCAM MUITO: Ainda hoje, as aulas dos dinamarqueses de até 10 anos terminam às duas da tarde, embora os pais possam optar por deixar os filhos o resto do dia na chamada “escola de tempo livre” (skolefritidsordning), onde são, sobretudo, incentivados a brincar.
I de Integridade
Os dinamarqueses acreditam que se deve falar de tragédias e acontecimentos incômodos, porque se aprende mais sobre o caráter com o que gera sofrimento do que satisfação. É importante ter contato com todos os aspectos da vida, gerando autenticidade, empatia e um respeito mais profundo pela humanidade.
Nesse sentido, a integridade começa pela compreensão das próprias emoções. Ao ensinar os filhos a reconhecer e aceitar seus verdadeiros sentimentos, bons ou ruins, e a agir de forma coerente com os próprios valores, eles não se sentirão esmagados por problemas e momentos ruins da vida. Saberão agir de acordo com aquilo que acreditam ser o certo. Reconhecerão e respeitarão os próprios limites.
MAIS VIDA REAL: A honestidade emocional, e não a perfeição, é o que os filhos de fato necessitam dos pais. A criança observa a todo o tempo as reações de raiva, alegria, frustração, contentamento e êxito de seus pais. É preciso ser um modelo de franqueza, de modo com que as crianças entendam que não há problema em sentir todas as emoções possíveis.
L de Linguagem
Os dinamarqueses são aquilo que os psicólogos chamam de “otimistas realistas”. Diversas empresas americanas estão capacitando os funcionários a reinterpretar — ou reenquadrar — informações, por considerar que é uma característica fundamental para a resiliência. Linguagem é escolha, porque cria a moldura através da qual o mundo é observado. Ao reenquadrar o que se diz em favor de algo mais motivador e menos peremptório, altera-se, na prática, a forma como se percebe e se sente o mundo.
FOCO NA CONQUISTA: O reenquadramento, no caso da criação dos filhos, significa ajudar a criança a desviar o foco daquilo que ela acha que não consegue fazer para aquilo que acha que consegue fazer. É preciso ajudar a criança a enxergar as situações de diferentes ângulos, fazendo-a pensar em desfechos ou conclusões menos desfavoráveis.
H de Humanidade
Um estudo recente mostrou que a empatia caiu quase 50% entre os jovens americanos desde as décadas de 1980 e 1990. Nesse meio-tempo, o nível de narcisismo dobrou. Trata‑se da visão inflada de si mesmo, que tende a separar o indivíduo dos demais e a prejudicar o surgimento de relacionamentos significativos. Pesquisas revolucionárias no campo da neurociência revelaram o que os cientistas estão chamando de “cérebro social” — a região do órgão que é ativada quando participamos de interações sociais.
Matthew Lieberman, especialista em neurociência cognitiva social, explica:
– Trata‑se de uma rede que é ativada como um reflexo e nos leva a pensar sobre o outro, sua cabeça, seu pensamento, seus sentimentos e suas metas. Ela aumenta a compreensão e a empatia, a cooperação e o pensar no outro.
PRÁTICA DA EMPATIA: Lieberman acredita que desejar o bem-estar do outro é tão inato ao ser humano quanto o egoísmo. Pais e mães têm uma grande responsabilidade, porque são o exemplo primário de humanidade. Eles próprios devem praticar essa empatia, o que pode ser feito pelo uso da linguagem e pelo modelo de comportamento.
O de Opressão Zero
Uma analise recente abrangendo duas décadas de pesquisas sobre os efeitos dos castigos físicos sobre as crianças mostrou não apenas que as palmadas não funcionam como podem instaurar o caos no desenvolvimento das crianças no longo prazo. O castigo físico está relacionado a problemas de saúde mental na vida adulta, incluindo depressão, ansiedade, uso de drogas e alcoolismo. Pais batem porque acham que isso funciona — e, no curto prazo, talvez tenha efeito. Mas depois se torna bastante ineficaz, porque a criança aprende a escutar só por ter medo.
REGRAS DO JOGO: Uma das maneiras pelas quais as escolas dinamarquesas incentivam a democracia é permitindo que os alunos criem as regras em conjunto com o professor. No início do ano letivo, os educadores conversam longamente com eles a respeito daquilo que significa ser uma boa classe e quais os valores e comportamentos que eles acreditam que devem ser seguidos. As regras podem ser qualquer coisa, desde não chegar atrasado até não interromper e respeitar os outros. O importante é que todos decidam juntos o código de conduta, que varia de uma sala para outra. Isso é feito todos os anos, porque os alunos envelhecem e amadurecem, passando a ter um senso de responsabilidade diferente.
S de Socialização
Quando Jessica foi apresentada à família do marido, na Dinamarca, e se hospedou na casa deles pela primeira vez, foi uma experiência no mínimo avassaladora. At hygge sig, ou hygge (pronuncia-se “ruga”), que significa literalmente “se divertir juntos”, é um estilo de vida para eles. Acendem velas, jogam jogos de tabuleiro, cozinham refeições agradáveis, tomam chá com bolo — enfim, aproveitam a companhia um do outro numa atmosfera aconchegante.
+BEM-ESTAR: “Hygge”: O segredo dinamarquês da felicidade está ao alcance de qualquer um de nós
Pesquisas mostram que um dos principais medidores do bem-estar e da felicidade é o tempo bem gasto com os amigos e a família. Pesquisadores da Universidade Brigham Young e da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill compilaram dados de 148 estudos que fazem a correlação entre relacionamentos sociais e melhora na saúde. Reunidos, esses estudos, que abrangem mais de 300 mil pessoas em países desenvolvidos, mostraram que aqueles que apresentavam poucas conexões sociais tinham, em media, 50% mais chance de morrer antes (cerca de 7,5 anos) do que aqueles com vínculos sociais robustos.
Essa diferença de longevidade é aproximadamente a mesma que entre fumantes e não fumantes e é maior do que a associada a muitos outros fatores de risco conhecidos, como sedentarismo e obesidade.