Dizem que santo de casa não faz milagre. Preciso concordar em partes. Meu pai, cirurgião cardíaco, passou a vida inteira dizendo que o importante é a alimentação equilibrada. Quer ver ele soltar uma risadinha e balançar a cabeça em sinal de reprovação? Comente sobre alguma invenção do momento, do tipo a dieta sem glúten, a vilania do ovo, da carne vermelha… “Para com essas bobagens, filhinha”, ele resmunga. O ovo, então, foi um capítulo à parte nas nossas conversas familiares. Pai nunca aceitou o papel ingrato que deram ao coitado nos últimos anos. Sempre defendeu o ovo com unhas e dentes. Não preciso dizer que meu celular apitou no grupo da família no Whats App tão logo uma das últimas capas da revista Veja veio à luz.
DE VILÃO A MOCINHO
Para a alegria da humanidade em geral e de papai em particular
Semana passada, ele encaminhou pelo mesmo grupo do Whats App outra informação: “Sociedade de Cardiologia alerta para o risco do radicalismo contra o açúcar”. É bem esta a palavra que meu pai condena: radicalismo. Não se pode ser radical a nada, nem na vida e nem nas escolhas que fazemos para levar à boca. A reportagem enviada pelo pai diz que uma vida saudável com um coração sadio deve ser alcançada com uma dieta sem excesso de calorias, com menos sal, proteínas e gorduras e, principalmente, com um programa de exercícios físicos intensos durante toda a vida. Esta foi a colocação do coordenador do Comitê de Nutrição do Departamento de Arterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia, Daniel Magnoni, que externa a preocupação com recente trabalho da Organização Mundial da Saúde que “demonizou” o açúcar como o grande vilão.
O NOVO OVO
Diz o doutor Magnoni: “Isso pode levar muita gente a imaginar que basta cortar o açúcar e o coração ficará saudável, o que não é verdade”. E alerta para os pais que proíbem o refrigerante mas permitem o suco industrializado com açúcar. Doutor Magnoni diz não ver problema algum em se reunir com os amigos no fim de semana, tomar um chopinho, comer batata frita, um hambúrguer e até um quindim de sobremesa. “A vida é boa e é para ser aproveitada, mas este excesso é de vez em quando e no resto da semana mantém-se a rotina se exageros”, observa.
A VELHA E BOA SALADINHA
Mas, afinal, por que o açúcar vem sendo tão mal falado? Fui atrás tirar essa dúvida e concluí que comer alimentos ricos em açúcar não é um problema desde que com equilíbrio. O sociólogo Raul Lody, antropólogo e autor do livro “Caminhos do Açúcar”, e o endocrinologista Dr. Marcio Mancini, responsável pelo Grupo de Obesidade e Síndrome Metabólica do Hospital das Clínicas da USP, esclarecem alguns itens obscuros sobre o açúcar. O legal é que mescla nutrição com História.
COMO ASSIM, MARIANA?
Segundo Raul Lody, para entender o cenário da “vilanização” do açúcar é preciso ter conhecimento da história cultural do ingrediente. “O açúcar surgiu há milhares de anos e passou a ser reconhecido no mercado na Idade Média, quando comerciantes árabes aproximaram o mundo oriental do ocidental no processo de trocas. O açúcar era uma especiaria, assim como o cravo e a canela. Tinha um preço elevado e, portanto, acessível apenas para os ricos. Na época, o produto era mais caro que a grama do ouro e considerado como um medicamento ou até presente, entregue para reis, papas e nobreza”, explica.
JÁ FOI COISA DA NOBREZA
Porém, em paralelo, o sabor doce já era apreciado desde muito tempo. Aliás, era o sabor adocicado que ajudava as primeiras tribos de humanos a diferenciarem um alimento bom para consumo de um perigoso. Antes da expansão do açúcar, os pratos usavam o açúcar de beterraba e o mel de abelha. Foram os portugueses que abriram o mercado do ingrediente durante as Grandes Navegações com caminhos para o comércio entre os países. No Brasil, Portugal encontrou solo adequado para o grande plantio da cana-de-açúcar. Já na Revolução Industrial, surgiram novas necessidades para a indústria alimentar, consolidando milhares de receitas com o componente.
NHAM NHAM!
No Brasil, o açúcar se tornou uma importante fonte de renda e virou parte da cultura. “Como cultura, o açúcar é o mocinho. O brasileiro tem uma relação forte com o ingrediente e isso é refletido até na enorme produção dos doces no Brasil. O paladar para o doce é extremamente cultural. Da mesma forma que uma pessoa não nasce falando um idioma ou optando por uma religião, as receitas doces foram introduzidas no paladar, o que denominamos como memória cultural”, explica Lody.
:Como a Ayurveda pode ajudar o corpo e a mente no inverno
Apesar de ser o “mocinho” cultural, o ingrediente, tão estabelecido na dieta brasileira, tem sido citado como o “vilão” da saúde, colocado como principal causador de doenças, como a obesidade. “O açúcar como vilão é uma conclusão generalizada de dados e estudos individuais. Cada pesquisa tem um determinado viés, e nem sempre é ajustada a outros fatores que envolvem a saúde, como o estilo de vida de cada um.”, afirma o Dr. Marcio Mancini, chefe do Grupo de Obesidade e Síndrome Metabólica da Disciplina de Endocrinologia e Metabologia do Hospital das Clínicas.
MUITO PRAZER, SOU DR. MANCINI
Assim, a ligação do açúcar com a obesidade e outros problemas de saúde é tênue e os dados limitados. Muitas vezes, estudos sofrem interpretações exageradas impondo conclusões não necessariamente corretas. De acordo com o Dr. Mancini, “É preciso ingerir calorias com equilíbrio e sem exageros, não excluindo um determinado alimento. Muitas vezes, as pessoas que consomem açúcar ao extremo são as mesmas que comem mais gordura e fazem menos atividade física. Então, é complicado eleger um vilão, seja ele qual for”, diz.
FAZ BASTANTE SENTIDO
MAS, AFINAL, O AÇÚCAR FAZ MAL, MARIANA?
Não, o açúcar não faz mal, desde que o seu consumo seja equilibrado. O ingrediente é a principal fonte de energia do cérebro e ativa o neurotransmissor serotonina, responsável pela sensação de prazer e bem-estar. “Esse ingrediente age no organismo como qualquer outro. Se você consumir o sal ou gorduras em excesso, não fará bem também”, explica Dr. Mancini.
Muito tem se falado sobre o açúcar como responsável pela obesidade. “É mito dizer que esse ingrediente é o culpado pela obesidade. Essa doença não pode ser incriminada isoladamente, pois é um problema com diferentes indícios. Pessoas com obesidade e até mesmo com diabetes não precisam eliminar totalmente o açúcar da sua alimentação. O imprescindível para esses casos é ingeri-lo com acompanhamento médico”, finaliza Dr. Mancini.
LIBEROU GERAL!!
ELA NÃO ENTENDEU NADA DO QUE ACABOU DE ESCREVER