Mari Kalil: “Aparelho auditivo não deve ofender a vaidade de quem precisa para ser mais feliz”

Gosto de conversar com pessoas mais velhas. Elas têm muito a ensinar – e algo raro hoje em dia: elas sabem escutar. Pessoas de mais idade (e pesquisas comprovam esta afirmação) sabem administrar melhor os conflitos e são mais sábias em aceitar as incertezas inevitáveis da vida.

olivia10BENTO É O MAIS VELHO

bento1117NINGUÉM ME OUVE

Dia desses, em uma reunião dos meus pais com amigos, entrei de gaiata na rodinha de conversa e fiquei ali ouvindo o que diziam os mais velhos. Um deles, médico como meu pai, lamentava o fato de nem eu nem meus dois irmãos termos trilhado o caminho da medicina. Jamais pensei em fazer medicina, esta é a verdade. Sempre odiei estudar, fecho os olhos na hora de tirar sangue e nunca tive a mais nobre das virtudes exigidas por um médico de respeito: a capacidade de doação.

Health insurance or love conceptSEM LIMITES

Interrompi a conversa e comentei que hoje, quase 30 anos depois de ter prestado vestibular para Jornalismo, lamentava profundamente minha falta de dom para a medicina. “Geriatria, teria cursado”, respondi. Recebi muitos olhares de espanto, sobretudo de dona Ceres.

Mature Caucasian woman yelling with an angry expressionGERIATRIA, MARIANA?

Dona Ceres, uma senhora altiva, vaidosa, bonita no alto de seus 96 anos, demonstrou um interesse absoluto em conhecer melhor minha atração por esta especialização que se dedica ao cuidado de pessoas idosas. Iniciamos uma conversa paralela em que relatei minha admiração pela terceira idade e mencionei uma frase de Victor Hugo, um dos maiores escritores da França do século XIX, que sempre me acompanhou: “A miséria de uma criança interessa a uma mãe; a miséria de um rapaz interessa a uma rapariga; a miséria de um velho não interessa a ninguém”. Geriatria, dona Ceres, porque poderia contribuir para minimizar este sentimento.

Crazy-WomanHEIN??!!

Do outro lado da mesa, outra senhora, três décadas mais jovem do que Dona Ceres, queria participar da conversa. O problema é que ela não escutava. Estava sentada na mesma mesa (detalhe!), o ruído ao redor não era alto (ressalte-se!). Mas ela não escutava.
– Estou surda!– lamentou. – Estou completamente surda! – repetiu.
– Simples, minha filha – respondeu Dona Ceres. – Faça como eu: coloque um aparelho auditivo.
– Nem morta!

velha-surda-1PREFERE CONTINUAR SURDA?

Não foi a primeira nem a segunda nem a terceira pessoa de meia-idade que testemunhei com dificuldade para ouvir e com resistência a usar aparelho auditivo. Não convivemos diariamente com gente usando óculos? Dos mais diversos modelos, cores e armações? Existe algum preconceito em relação a isso? Até onde eu sei, nenhum. Inclusive, é fashion. Por que, então, esse fantasma do aparelho auditivo? Acredite se puder: uma pessoa portadora de deficiência auditiva demora, em média, seis anos para decidir utilizar um aparelho.

Woman shoutingSEIS ANOS!!

Somente 40% dos portadores de problemas auditivos reconhecem que ouvem mal. De acordo com dados da Organização Mundial de Saúde, 800 milhões de pessoas no mundo – 15 milhões no Brasil – possuem problemas de audição. O aparelho auditivo, contam especialistas, ainda é tido como uma punição perante a sociedade.

woman confusedDÁ PRA ACREDITAR?

Assim como modernas marcas, modelos e grifes de óculos de grau, atualmente existem avançados aparelhos auditivos, com tecnologia digital, bem pequenos e quase imperceptíveis. Não ofendem a vaidade de quem usa. Dona Ceres usava um. Graças a ele, conseguia comunicar-se, ouvir e ser ouvida, esbanjar sabedoria e atrair todos os olhares e interesses para si. Graças ao aparelho auditivo, Dona Ceres não estava alheia ao mundo ao redor, continua inserida e conectada (para usar uma palavrinha bastante recorrente!) da vida em uma sociedade cada vez mais veloz. Graças ao aparelho auditivo, Dona Ceres presenteava a todos os presentes com o conhecimento e a sapiência de seus 96 anos de vida. Graças ao aparelho auditivo, Dona Ceres era a mulher mais linda daquela noite.

Compartilhar
Mari Kalil

Mari Kalil

Sou escritora, jornalista, colunista da Band TV e Band News FM e autora dos livros "Peregrina de araque", "Vida peregrina" e "Tudo tem uma primeira vez". Sou gaúcha, nasci em Porto Alegre, vivo em Porto Alegre, mas com os olhos voltados para o mundo. Já morei em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Barcelona. Já fui repórter, editora, colunista. Trabalhei nos jornais Zero Hora, O Estado de S.Paulo e Jornal do Brasil; nas revistas Época e IstoÉ e fui correspondente da BBC na Espanha, onde cursei pós-graduação em roteiro, edição e direção de cinema na Escuela Superior de Imagen y Diseño de Barcelona. O blog Mari Kalil Por Aí é direcionado a todas as mulheres que, como eu, querem descomplicar a vida e ficar por dentro de tudo aquilo que possa trazer bem-estar, felicidade e paz interior. É para se divertir, para entender de moda, de beleza, para conhecer lugares, deliciar-se com boa gastronomia, mas, acima de tudo, para valorizar as pequenas grandes coisas que estão disponíveis ao redor: as coisas simples e boas.

1 Comentário
  1. Pois eu estou nesta fase, negando o uso de aparelho auditivo, perda moderada da audição, minha filha fonoaudióloga indgnada,vejo tv com legenda, falo alto, meu marido fica tentano entender porque se o aparelho, no meu caso, é imperceptível. Vá entender uma pessoa teimosa!

Deixar uma resposta Cancelar Resposta

Seu endereço de email não será publicado

Utilize as tags HTML : <a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <s> <strike> <strong>

Facebook

InstagramInstagram has returned invalid data.