Por que amamos tanto comer? Sete reflexões sobre esse tema delicioso

Comida é assunto universal. Indiferente da origem, estilo ou gosto, a comida é objeto de estudo, de prazer, de desejo – e até de ódio. Comida não sai do nosso cotidiano. É essencial na sobrevivência, mas é tão repleta de significados e sentidos para nós, humanos, que nunca nos cansamos de falar, fazer e comer. Intrigada com o assunto, me perguntei por que somos tão apaixonados por comida. Compartilho aqui com vocês sete reflexões sobre essa paixão.

1) Comida é afeto
Uma das formas mais genuínas que os seres humanos encontraram para demonstrar afeto é a comida. Aprendemos, ao longo de gerações, que servir um belo prato de comida é sinônimo de cuidar de alguém e querer bem. O afeto também se manifesta quando queremos agradar pelo sabor, deixando a pessoa que come tão feliz que irá nos retribuir com elogios e repetições. Existe também, como tudo tem dois lados, aquela forma de demonstrar uma certa insatisfação com o outro, e dar uma salgadinha extra no prato…

itUMA PITADIIIINHA A MAIS DE SAL….

2) Comida é memória
Olfato e paladar são dois sentidos humanos que estão intrinsecamente ligados a nossas memórias. Quem nunca ouviu as expressões “esse bolo tem cheirinho da minha infância”, “ esse sabor me dá saudade do tempero da minha mãe”, “esse gosto é de comida lá de fora”, “hoje é domingo, tem cheiro de churrasco na cidade”? As experiências que a comida nos proporciona são tão intensas em aroma e sabor que são capazes de reativar imagens e histórias do passado. A comida sintetiza nela mesma os sentimentos que vivemos.

aprender-a-cozinharO DOCE TEMPERO DE MÃE

3) Comida é identidade
As nossas escolhas gastronômicas definem quem somos. Em geral, podemos identificar o estilo de vida, a cultura ou a região de origem de uma pessoa a partir de como se alimenta ou do que gosta de comer. Se olharmos a identidade brasileira, encontraremos na comida muitas formas de traduzi-la. No sul, o churrasco tem ligação com a herança do campo. O arroz com feijão, ou baião de dois, é dos trabalhadores do nosso país. O acarajé é aquele bolinho que deixa evidente a influência africana em terras brasileiras. Os ingredientes, a forma de preparar a comida, o tipo de tempero, as quantidades, a forma de servir são todos elementos que expressam o contexto cultural em que nos formamos como indivíduos dentro de uma sociedade.

churrasco2NOSSA BOA E VELHA HERANÇA DO CAMPO

4) Comida é escola da vida
Doce, amargo, azedo, salgado, quente, frio, leve…. Essas são características de alimentos. Curiosamente, aplicamos a situações da vida estes mesmos adjetivos, como “o gosto amargo da derrota”, ou o “doce sabor da paixão”, ou ainda “a vingança é um prato que se come frio”. Aprendemos a relacionar experiências de diferentes naturezas sob as mesmas sensações. E a comida é a nossa matéria-prima inicial para conhecer “o gosto” das coisas. Alguém já assistiu ao filme O Tempero da Vida (Grécia/Turquia, 2003)? É uma história linda na qual aprendemos que pimenta queima e aquece, como o sol; que a canela une os corações; que cozidos a vapor abrem a alma; e que comidas secas provocam diálogos rudes…

Espia só o trailer!

5) Comida é união
Certos rituais, como almoço de domingo, jantar a dois, almoço em casa, banquetes, restaurantes com amigos evidenciam o papel da comida de unir as pessoas. Desde o preparo até o cafezinho, existe um espírito social em torno da mesa, um espírito de compartilhar sabores, memórias e histórias. A comida é uma ferramenta de ligação. Pela comida geramos empatia, pois aquilo que eu sinto, naquele momento, é exatamente aquilo que você sente. Podemos até ter reações diferentes à mesma comida, mas a refeição nos colocou exatamente no mesmo ponto de partida.

FamiliaMesa_66387184_fmtMAIS DO QUE REFEIÇÃO, O FELIZ CONVÍVIO À MESA

6) Comida é auto expressão
Cozinhar é colocar-se de corpo e alma em forma de alimento. Testamos nossas habilidades, nosso repertório. Experimentamos técnicas. Identificamos nossas limitações. Definimos preferências. Mostramos nossa generosidade ou mesquinharia. Nos colocamos à prova do gosto do outro. Quem cozinha tem uma intenção, um desejo de ver materializado aquilo que imaginou, como um produto da sua própria personalidade. É como pintar um quadro, com tintas comestíveis. Há uma mensagem para ser lida, a interpretação gastronômica do cozinheiro sobre a realidade.

jamie_oliver-copyNÃO POR ACASO, CHEFS DE COZINHA SÃO OS NOVOS ARTISTAS

7) Comida é descoberta
Descobrir é uma atividade humana fascinante, pois as descobertas são capazes de levar o homem a outra dimensão de mundo. Quando vamos a um restaurante, por exemplo, e podemos experimentar algo novo, diferente, temos em nossa frente uma oportunidade de fazer descobertas. E não falo somente do sabor incrível que iremos sentir pela primeira vez. Me refiro, em primeiro lugar, em permitir-se aceitar o desconhecido. Me refiro a aceitar a incerteza do gosto e abrir-se para o novo. Provar o novo é uma forma de superar nossas barreiras e limites. Deveríamos nos perguntar, antes de avaliar o sabor de um prato, o que podemos descobrir com ele.

Xavier260(13)XAVIER 260: UM LUGAR PARA RECONECTAR EMOÇÕES

Acredite, uma descoberta sempre nos surpreende. Essa semana mesmo fui pela primeira vez ao restaurante Xavier 260, do catalão Xavier Gamez. Além da maneira de elaborar pratos, em que é possível sentir cada temperinho, cada textura, cada detalhe de forma muito precisa (e isso por si só já foi um baita aprendizado!!), descobri uma nova forma de me reconectar com algo tão gaúcho: o chimarrão.

Não é que o Xavier criou um chocolate com erva mate – e que, quando tomamos com café bem quentinho, sentimos todo o perfume e o sabor da erva com toda sua natureza? Foi uma descoberta linda, de ressignificação da minha própria ideia de erva mate.

Então, porque somos apaixonados por comida? Por que a comida sempre emociona, sempre nos enche o peito. E não existe nada mais generoso que desfrutar das nossas próprias emoções.

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Priscilla Guimarães

Priscilla Guimarães

É analista cultural. Gosta de estudar os porquês da vida, o sentido das coisas. Se dedica a entender as formas de expressão e os significados da cultura. Hoje é sócia diretora na City - consultoria de pesquisa em comportamento humano que tem o propósito de trazer novas perspectivas sobre a sociedade para dentro das empresas. Também coordena a Clínica do Subterrâneo, workshops filosóficos organizados pela City, com o objetivo de trazer conhecimento das ciências humanas para as práticas empresariais. Ainda é sócia diretora na Comunidade Criativa, plataforma de co criação de produtos e serviços que une consumidores e marcas. É graduada em jornalismo e mestra em comunicação social. Já trabalhou com produção de TV, redação jornalística e publicitária, planejamento de comunicação e marketing. Foi professora de graduação e pós graduação. Morou em Paris. Faz psicanálise há 13 anos. Faz ballet e treinamento funcional. Pra relaxar, viaja, faz amigos e mergulho amador.

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