Ainda não conheci alguém que tenha voltado do Peru sem estar completamente apaixonado pela gastronomia do país. Não existe restaurante ruim, é fato. Desde a alta gastronomia, com inventividade e tecnologia, até os clássicos populares preparados nas casas peruanas, a qualidade dos ingredientes e a paixão por comer bem parecem fazer parte da própria identidade cultural do Peru.
Estive recentemente em Lima, capital do país, e me vi encantada. O ceviche, é claro, era um dos motivos da escolha da viagem. Mas eu sabia muito pouco sobre tudo o que esse prato – que é patrimônio cultural do país – poderia revelar.
CEVICHE: UMA EXPLOSÃO DE CORES E SABORES
À primeira vista, a gente fica louco com o frescor, com a combinação de temperos e com a variedade de frutos do mar, como peixes, camarões, lulas, ouriços, polvo, e verduras e legumes. É entendendo sua história, e como está inserido na cultura, no entanto, que o ceviche mostra o seu maior valor.
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O ceviche é um prato que contem em si uma série de movimentos da humanidade e de grande parte da história do próprio Peru. O hábito de comer peixe cru, por exemplo, vem já do período pré-hispânico, e pode ter milhares de anos. Uma evidência disso é que o preparo do ceviche conserva até hoje o uso do Ají Amarillo, tipo de pimenta amarela, base de praticamente toda a gastronomia peruana, e que já era utilizado pelos povos indígenas.
A CEBOLA ESTÁ PRESENTE EM TODAS AS VARIAÇÕES DO PRATO
Também encontramos traços da colonização hispânica no ceviche. A cebola, por exemplo, veio da Europa; não existia cebola em solo americano antes dos espanhóis. O habito de picar (comer em pequenas porções) se assemelha à maneira de tapear, de comer tapas. Da mesma forma, o limão (essencial no preparo do ceviche) também parece ter vindo pelas mãos espanholas, e a própria Espanha já tinha sofrido influencia árabe de macerar carnes com cítricos.
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Ainda, encontramos a presença dos japoneses no ceviche peruano, uma influência mais recente dos anos 80. Preparar o ceviche na hora, assim como evoluções do ceviche, como os Tiraditos (parecem sashimis temperados), são soluções peruanas que tem inspiração japonesa. E por que não acrescentar também o papel dos turistas no repertório do ceviche, que trouxeram versões menos picantes?
TIRADITO: SEMELHANTE AO SASHIMI, PORÉM TEMPERADO
A forma atual do ceviche não tem 50 anos, e é provável que ainda se transforme muito. O Peru é um país aberto e que sempre soube processar muito bem as influências culturais que recebe. Não é a toa que é considerado uma região berço de civilizações. Daquelas terras, já surgiram cerca de 35 civilizações, um laboratório de mais de 5 mil anos de idade. E muito se aprende com um povo que tem toda essa bagagem de humanidade. Aprendi, comendo ceviche, dois grandes valores do Peru, que pretendo nunca mais esquecer:
- O bom vem da base da sociedade: a comida peruana que se come em restaurantes não foi importada. Foi processada pela própria população e, pelas mãos dos grandes cozinheiros dos Peru, ganham o mundo.
- A alta gastronomia não joga fora os pratos típicos; ao contrário, os valoriza muito. Quando a base da sociedade tem valor, a história, as tradições são fortes e podem se reinventar se misturando com outras culturas, sem medo de desaparecer.