Marieta Severo protege a intimidade com rédeas curtas. Preserva a si e ao entorno que a cerca – a atriz de 71 anos é mãe de três mulheres, avó de outras seis e de um neto. O casamento de 30 anos com Chico Buarque ensinou-a a lapidar o propósito de manter a vida pessoal à margem da profissional. Emprega a mesma regra na relação com o diretor Aderbal Freire-Filho, o primeiro namorado oficial após a separação de Chico, e companheiro há 16 anos. “Além de uma atriz extraordinariamente talentosa, inteligente e dedicada, Marieta soube cuidar da sua carreira com o bom gosto, a elegância e a sabedoria com que cuida da própria vida”, elogia Aderbal.
Passado o sucesso como a vilã Sophia na novela “O Outro Lado do Paraíso”, prepara-se para rodar “Aos nossos filhos”, filme dirigido por Maria de Medeiros. Viverá uma mulher da sua geração, que passou pela barra pesada da ditadura, foi exilada, torturada e tem uma filha homossexual, que resolve ter um filho com outra mulher. Viverá no cinema o embate da sua geração politizada com essa nova geração, de costumes e valores distintos.
Estamos sentadas em meio às 200 poltronas da plateia do Teatro Poeira, no Rio de Janeiro, que Marieta construiu em parceria com a amiga e sócia Andréa Beltrão. Em um momento da nossa conversa, ela pede silêncio. “Está ouvindo?”, pergunta, baixinho. Na bilheteria, o funcionário informa: “Estamos com lotação esgotada”. “Me diz”, pede ela, “se isso não é uma sinfonia para os ouvidos?”
MARIETA SEVERO:
Foi preciso coragem para construir um teatro no Brasil?
Muita coragem. Nada neste País leva você a investir em arte. É preciso arregaçar as mangas e fazer. Eu não quero esperar mais nada de ninguém.
Vocês investiram recursos próprios, cerca de R$ 1,5 milhão. Se soubessem que gastariam tanto, teriam começado a empreitada?
Não esperávamos que fosse chegar a tanto. Se soubéssemos, teríamos ficado travadas. Somos duas malucas que não fazem contas. Ter um teatro próprio era um sonho antigo nosso e acabamos envolvidas por ele. A gratificação que recebemos do público, porém, não tem preço.
Você e Andréa seguem o ditado “amigos, amigos, negócios à parte?”
Não, imagina! É tudo misturado. Não tem essa história de amigos aqui, negócios ali, não. Eu só poderia realizar essa empreitada com uma pessoa com a qual tivesse muita afinidade. Temos uma confiança enorme uma na outra. Qualquer desavença é sempre resolvida de forma construtiva.
Qual é o grande prazer de ser atriz?
Ler uma história e poder contá-la para as pessoas. Me dá a oportunidade de viver outras vidas. Quando poderia pensar em ser uma concertista famosíssima se só sei tocar o bife? E mal tocado, diga-se de passagem (risos).
Como é viver um amor maduro com Aderbal Freire-Filho?
O mais importante de tudo é ter a sensação de que qualquer idade é idade para viver intensamente. A maturidade é uma coisa boa.
“É um presente, nesta altura da vida, ter um amor. A maneira com que consigo usufruir disso é fruto da maturidade. Agora, eu e Aderbal moramos em casas separadas. Nos encontramos com a vida formada, e eu com uma família muito presente. A compreensão de um para a realidade do outro tem quer ser grande.”
Como começou a relação com Aderbal?
Você entrou em um terreno péssimo. Não falo sobre vida pessoal. Minha vida profissional é muito mais eletrizante.
O namoro com Aderbal mudou sua relação com Chico Buarque?
Minha relação com o Chico todo mundo vê. Conseguimos sair de um casamento de 30 anos e ficar com uma amizade eterna, com uma relação enorme, de ambas as partes. É isso que interessa.
“Eu sei que Chico está ali e é a pessoa que mais me conhece. E eu a ele. Trinta anos é muito tempo, a gente se formou junto. Nossa relação continua através do trabalho e desse elo fundamental para a família.”
Pensa em casar outra vez?
Não.
Está mais fácil se relacionar hoje em dia?
A liberdade de hoje tornou as relações mais verdadeiras. Antes, as pessoas ficavam em casamentos por questão de conveniência, por medo, pressão social, sobrevivência econômica. Tudo isso é muito distante do amor. As relações se tornaram mais claras,
mais verdadeiras. Estar com alguém é questão de opção, uma escolha amorosa.
Teve algum grilo em se tornar avó?
Grilo? Imagina! Não tenho o menor problema de ser chamada de “bobó”. Ser avó é o melhor presente que a vida pode dar a uma pessoa.
Você teme a velhice?
Tenho medo das limitações físicas, da cabeça não funcionar, de não ter mais tanta energia. Acho isso detestável, me angustia e chateia. Mas não tenho tendência de ficar me preocupando com coisas que virão com o tempo. Quando elas vierem, farão parte da minha história. Mas eu gostaria que não fizessem (risos). Quero ser uma velhinha muito animada.
“Lido naturalmente com o passar do tempo. Com uma certa vaidade, claro, de ver as rugas, o pescoço que não está legal, o cansaço que fica mais evidente. Mas não nego nenhuma fase. Minha idade, meu tempo, minha experiência, minhas rugas… Está tudo aqui.”
Como é sua alimentação? Você come de tudo?
A comida me dá prazer. Nunca tive tendência para engordar. Meu metabolismo está mais lento, o que é normal acontecer com o passar dos anos. Por isso parei de comer tanto doce. Mas gosto de uma cervejinha, de um bom vinho.
Compensa esses prazeres com exercícios?
Fiz ginástica e dança a vida inteira. É minha obrigação como atriz estar com um corpo sempre disposto. Sempre trabalhei muito o corpo.
“Não consigo entender o ator que não trabalha o corpo, que não se exercita. Criam essa coisa glamurizada em torno da gente, como se passássemos o dia numa banheira de espuma. É uma profissão que exige do físico e da cabeça, tem que estar com tudo em cima.”
Você fez 20 anos de análise. Teve ou se deu alta?
Eu nunca tive alta… o pior é isso! Meu primeiro psicanalista, com quem me tratei durante 14 anos, morreu. Quando isso aconteceu, voltei para o analista anterior. Um belo dia, ele me disse que se mudaria para São Paulo. Foi quando eu desisti deles. Disse:
“Vocês não inspiram a menor confiança, vocês morrem, se mudam… Não dá!” (risos).