O sinal passou do verde para o amarelo; do amarelo para o vermelho. Pisei no freio e parei, seguindo obedientemente as diretrizes do Código de Trânsito Brasileiro. Pra quê? Logo atrás, uma moça aparentando seus 40 e poucos anos, devidamente empoleirada em sua caminhonete imponente e importada grudou a mão na buzina. Não entendi. Espiei pelo retrovisor e aquela moça aparentando seus 40 e poucos anos havia se transformado subitamente em um alienígena sanguessuga de olhos vidrados e dentes afiados saltando pra fora da boca. Gritava toda sorte de impropérios que, graças a seu carro de vidros blindados, eu estava livre de escutar.
MUITO PRAZER, ESTA SOU EM ESTADO DE CHOQUE COM A IMAGEM DA MOÇA
A câmera de vídeo do celular, que estava ligada, gravou exatamente minha cara de espanto com aquela cena surreal: sinal vermelho, e uma louca desvairada querendo passar por cima de mim, ou sugerindo, com todo seu rico vocabulário de palavrões, que eu desrespeitasse a lei e colocasse minha vida em risco em um dos cruzamentos mais movimentados de Porto Alegre.
PASSA NO VERMELHO, INCOMPETENTE!
Não passei, mas ela sim. Virou a direção para a direita em numa manobra digna de Ayrton Senna na chuva.
Saiu cantando pneu e desviando dos motoristas autorizados pelo sinal verde que vinham na direção contrária. Não foi um caso isolado de uma demente que presenciei na semana passada no afetuoso, cordial e fraterno trânsito da capital dos gaúchos. No dia seguinte, diante de um caminhão de lixo que trancava uma rua estreita, desacelerei. Outra moça, desta vez aparentando seus 30 e poucos anos, empoleirada em sua linda caminhonete, meteu a mão na buzina.
Não sei se foi pra mim, se foi para o caminhão de lixo, se foi para a própria vida infeliz e amargurada. Só sei que não foi uma nem duas nem três buzinadas, mas uma sinfonia desafinada.
Abri o vidro e fiz um rápido sinal a ela que dizia mais ou menos assim: “Quer trocar de lugar com eles? Quer descer de sua majestosa caminhonete e fazer este trabalho literalmente sujo e honrado que alguém tem que fazer? Quer trocar seu perfume francês pelo fedor do lixo do papel higiênico sujo do banheiro misturado ao lixo com a comida podre da cozinha? Quer tirar o scarpin limpinho e enfiar aquelas botas de borracha imundas? Quer substituir o tailleur pelo macacão laranja encardido? Quer trocar o esmalte vermelho pela luva emporcalhada?
ENTÃO AGUARDA UM MOMENTINHO, MADAME!
Poderia continuar descrevendo cenas mil em que testemunhei mulheres (sim, mulheres em sua imensa maioria) ensandecidas desfiando ódio nas ruas da cidade. Mas minha reflexão vai um pouco além das ocorrências em si. Me pergunto: em que momento essas mulheres deixaram a vida e o espírito chegar a este ponto? Sim, nós temos que dar conta de muitas coisas.
Temos que ser mães, donas de cachorro, boas profissionais, temos que levar e buscar filhos na escola, cães e gatos no veterinário, temos que ir ao médico, ao salão de beleza, ao pilates, à academia, ao supermercado, à farmácia. Temos que dar atenção a nossos maridos, namorados, pais, avós, irmãos, amigos. Estamos sempre correndo, sempre devendo, sempre carregando a cruz da culpa – a real e a imaginária.
MINHA MÁXIMA CULPA
Esquecemos que somos todas mulheres, além de mulheres, somos seres humanos, estamos todos no mesmo e caótico barco – e devíamos nos apoiar. O mundo está virado de cabeça pra baixo, mas ainda somos todos iguais, viemos e voltaremos, nus, para o mesmo lugar. Ninguém mais estende a mão, empresta um ouvido, cede passagem. O Rivotril é a nova manteiga do café da manhã. Estresse virou palavra de ordem. Se você não está sempre correndo, estressado, com pressa, atrasado, com atividades mil, você não pertence a este mundo, ao sistema, você está à margem da sociedade. Desculpa, não tenho tempo pra você. Portanto, dá licença, sai da minha frente, não ocupa meu tempo e tampouco o meu espaço.
VAZA!
Nessa época de festas, quando sair correndo pelas ruas da cidade para comprar todos os presentes, embalando este tal espírito natalino cada vez mais vazio de significado, buzinando para tudo e para todos, xingando motoristas que respeitam o sinal, apenas leve em conta que generosidade, respeito, tolerância, um sorriso e amor ao próximo ainda são os maiores presente que podemos oferecer ao outro. Sobretudo à saúde física e mental de nós mesmas.
Espetacular teu texto! , mas se me permite, essa falta de educação não se diz respeito as camionetes importadas dirigidas por mulheres, mas a carrinhos pequenos, médios, grandes, nacionais, importados, dirigidos por qualquer sexo.cada qual querendo tirar vantagem do outro, sempre! Falta educação e lei!
Um abraço
MARAVILHOSA e VERDADEIRA a tua crônica. Só discordo no quesito mulheres. Acredito que o pessoal da capital em Geral, é muito mal educado e se acha. Pior se estiver num carro melhor. E quando vai pra Gramado, obedece todas a regras de trânsito. Bjssss
Margareth Kraemer
Isso tem acontecido sempre, mas defendo a tese de que no dia 30/11, a meia-noite, o universo libera um pozinho mágico sobre o mundo todo, transformando cada ser humano em um monstro sem paciência e sem nenhuma educação. Dezembro é, de longe, o mês com mais grosserias que já vi e vivi. Talvez por isso, a data que mais gosto nesse mês seja seu último dia…
Essa coluna se encaixa perfeitamente nos dias de hoje! Ha tempos me sinto fora do planeta! Vejo coisas que não acredito! Mundo muito chato, gente muito grosseira, mal educadas! Enfim o “Oh”! Bom finde querida! Bj
Minha mulher fica braba porque nunca utilizo a buzina. Ela em algumas situações pergunta se não vou buzinar e digo que não, ela fica uma fera
Nem sei porque buzina é item obrigatório por lei. Mas Porto Alegre é a terra dos buzinadores, mesmo. Na minha terrinha, Pelotas, ainda estamos longe disso. Não que o trânsito ou os usuários sejam melhores, apenas não usamos tanto a buzina. Mas poderia ser pior. Em São Paulo, a sinfonia da buzinas de motos é algo ensurdecedor. Eles dirigem pelos tais “corredores”, buzinando sempre, não importa se tem ou não alguém na frente.
É Mari, o mundo tá de ponta cabeça e lá no alto a intolerância impera.
Há anos resolvi não ter carro, sou uma livre e serelepe pedestre.
Não imaginas quantas histórias vivi e sobrevivi pelas ruas da nossa Porto nem tão Alegre.
Concordo plenamente contigo. É impressionante o que as mulheres estão fazendo na direção, principalmente as mais jovens.
Extremamente mal educadas!